Câmara votará projeto que censura pesquisas eleitorais, esvazia cotas e dificulta punição a políticos

Em seus 902 artigos, o projeto estabelece censura a pesquisas eleitorais, para que elas só possam ser divulgadas até a antevéspera da eleição.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pretende colocar em votação nesta quarta-feira (4) um projeto de lei complementar de 372 páginas e 902 artigos que traz diversas alterações na legislação eleitoral, incluindo censura às pesquisas de intenção de voto.
 

Além de restrições aos levantamentos eleitorais, entre outros pontos, a proposta enfraquece as cotas para estímulo de participação de mulheres e negros na política, esvazia regras de fiscalização e punição a candidatos e partidos que façam mau uso das verbas públicas e tenta colocar amarras ao poder da Justiça de editar resoluções para as eleições.
 

O projeto, relatado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), aliada de Lira, pretende revogar toda a legislação eleitoral e estabelecer um único código eleitoral. Para entrar em vigor ainda nas eleições de 2022, a medida precisa ser aprovada por Câmara e Senado e ser sancionada pelo presidente da República até o início de outubro, um ano antes da disputa.
 

Em seus 902 artigos, o projeto estabelece censura a pesquisas eleitorais, para que elas só possam ser divulgadas até a antevéspera da eleição.
 

O texto determina ainda que os institutos que fazem esses levantamentos informem um percentual de acertos das pesquisas realizadas pela entidade ou empresa nas últimas cinco eleições. O dispositivo é criticado por especialistas, que lembram que as pesquisas retratam a realidade de determinado momento, não o voto dado.
 

Além da condução de Lira, a medida conta com apoio considerável no Congresso, que nos últimos anos tem se empenhado, a cada ano pré-eleitoral, em afrouxar as regras de controle e punição a partidos e candidatos.
 

O atual projeto, por exemplo, dá poder amplo aos partidos para usar como bem entenderem as verbas do fundo partidário, que distribui a cada ano cerca de R$ 1 bilhão às legendas. Não raro, siglas têm usado essas verbas para gastos de luxo, na aquisição de carros e aeronaves, e em alguns dos restaurantes mais caros do país.
 

Ao mesmo tempo, esvazia significativamente o poder de análise da Justiça Eleitoral das contas de partidos políticos, ao delimitar a apuração das prestações de contas entregues anualmente pelas legendas.
 

Segundo o dispositivo, a análise deverá se restringir a verificar se as siglas receberam recursos de fontes vedadas ou de origem não identificada e se destinaram as cotas estabelecidas na lei para suas fundações e para o incentivo à participação das mulheres na política. O prazo para a Justiça Eleitoral analisar as contas partidárias cai de cinco para dois anos. Se isso não ocorrer, o processo pode ser extinto.
 

Outro ponto torna muito mais difícil a cassação do mandato de parlamentares por irregularidades na campanha, como a compra de votos–para que haja essa possibilidade, terá que ser provado que o candidato usou de algum meio violência para coagir o eleitor.
 

O transporte irregular de eleitores é descriminalizado e se torna infração cível, punida com multa de R$ 5 mil a R$ 100 mil. Além disso, o texto revoga crimes como boca de urna e comício no dia da eleição. Eles também passam a ser infração cível punível com multa de R$ 5 mil a R$ 30 mil.
 

Um dos grandes avanços de anos recentes da legislação, as cotas para estímulo da participação feminina e de negros na política também sofrerão revés caso o projeto seja aprovado.
 

Graças a decisões dos tribunais superiores, os partidos hoje são obrigados a distribuir verbas de campanha de forma proporcional entre homens e mulheres, brancos e negros. Essas decisões sempre encontraram oposição nos partidos políticos, que não raro as descumprem.
 

O projeto da Câmara estabelece que é legal candidatas repassarem verbas da cota para “pagamento de despesas comuns com candidatos do sexo masculino” e para despesas coletivas das campanhas. Não há menção sobre cota proporcional para negros, o que passou a ser regra a partir de 2020 por decisão do Supremo Tribunal Federal.
 

O Judiciário também é claramente um alvo do projeto. Hoje, os tribunais editam resoluções com base nas leis eleitorais e, com certa frequência, respondem a consultas que acabam virando regra a poucos meses das eleições.
 

Com o projeto relatado por Margarete Coelho, essa possibilidade fica vedada. Caso a nova lei entre em vigor, possivelmente esses pontos serão objetos de análise do próprio Judiciário, que pode derrubá-los.
 

O texto também veda o banimento, o cancelamento ou a suspensão de perfil ou conta de candidato a cargo eletivo durante o período eleitoral, o que é visto como uma forma de blindagem para os candidatos que espalham fake news. A deputada, porém, diz que a proposta não impede as plataformas de moderarem conteúdo que viole suas regras.
 

“O que fizemos foi exigir que as plataformas apresentem, antes do início do período eleitoral, suas políticas e critérios de moderação de conteúdo, para que os candidatos e o próprio eleitor tenham clareza sobre o que pode e o que não pode fazer naquela plataforma”, disse, em entrevista no final de junho.
 

O projeto prevê ainda que recairão sobre o provedor da aplicação de internet em que for divulgada propaganda eleitoral as penalidades previstas no código se, no prazo determinado pela Justiça Eleitoral, não tomar providências para encerrar a divulgação, remover o conteúdo ou suspender a conta ou perfil.
 

Entidades da sociedade civil que montaram a campanha “Freio na Reforma” divulgaram texto apontando 20 retrocessos na legislação, do ponto de vista desse coletivo.
 

Entre outros pontos, o texto afirma que o projeto “acaba com o sistema da Justiça Eleitoral usado para prestação de contas partidárias e dificulta a fiscalização por seus técnicos”, determina a devolução de recursos públicos mel empregados apenas em casos graves e permite que os partidos contratem empresas privadas de auditoria para fiscalizar suas próprias contas.
 

O grupo, que é liderado pelo Movimento Transparência Partidária, também ressalta que a criação do crime específico de caixa dois eleitoral (ou seja, o gasto de campanha não informado à Justiça Eleitoral) tem pena máxima passível de acordo de não persecução penal.
 

A relatora do texto defende as mudanças no código eleitoral. Sobre o uso do fundo partidário para diferentes atividades, a deputada afirma que a intenção é “fortalecer a formação de lideranças políticas e cidadãs” e que o texto “impõe uma série de instrumentos de controle e fiscalização que criam barreiras legais e uma série de constrangimentos administrativos contra o mau uso do dinheiro público.”
 

A deputada nega que o código fragilize o sistema de fiscalização de contas partidárias. “Ao contrário, se antes a prestação de contas só poderia ser feita pela via jurisdicional, agora ela poderá ser feita, numa etapa prévia, pela via administrativa, o que racionaliza o processo”, defende.
 

“Havendo qualquer divergência, dúvida ou desacordo, o processo será judicializado, como ocorre hoje.”
 

Sobre a falta de menção, no texto, à distribuição proporcional de recursos entre candidatos negros e brancos ou proporcionalidade nos recursos para as candidatas, Margarete diz que a questão está pacificada na jurisprudência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e do STF (Supremo Tribunal Federal).
 

“Além disso, muitas dessas regras dependerão das escolhas políticas que a Casa fará em relação ao sistema político [há uma reforma política em curso na Câmara], por isso optamos por enfrentar esse debate no plenário, onde defenderemos a regra mais inclusiva que pudermos em favor das mulheres e dos diferentes grupos subrepresentados.”
 

A relatora nega que o texto engesse a função consultiva e de regulamentação do TSE e afirma que o poder da Justiça Eleitoral está preservado, “embora ele agora tenha parâmetros mais claros sobre seus limites e possibilidades”.
 

“O papel de inovar pertence ao legislador. Ao juiz eleitoral, compete regulamentar, o que significa ir até o limite da legislação, sem jamais criar regras novas”, diz. “Era o que acontecia com as consultas, que não estão previstas no novo Código: a Justiça Eleitoral respondia questões em tese, orientando a interpretação dos competidores eleitorais, mas não se vinculava à sua própria orientação. Se as consultas não firmam jurisprudência, por assim dizer, elas não têm razão de existir”.
 

Margarete também rebate críticas de que o projeto fragilize punição a atos como o transporte irregular de eleitores e boca de urna e defende que o texto propõe “novas formas de combate para velhos problemas”.
 

“Por isso criamos uma série de outros procedimentos administrativos, com pesadas multas em caso de descumprimento, em oposição ao caminho mais fácil, porém ineficiente, de recorrer ao discurso punitivista.”
 

Além disso, descarta que o código inviabilize as possibilidades de cassação de mandatos e afirma que o projeto propõe critérios para que o julgador “possa aferir a gravidade da conduta que enseja cassação”.
 

“Antes, um mesmo caso poderia ter desfechos muito diferentes, conforme o juízo deste ou daquele tribunal. Agora, uma série de critérios precisam ser observados, para que tenhamos mais segurança jurídica quanto àquela que é a maior lesão ao patrimônio do eleitor: a invalidação de seu voto”, diz.
 

Sobre a restrição de divulgação de pesquisas eleitorais, a relatora afirma que os três dias que antecedem as eleições são “períodos de grande incerteza, em que o eleitorado está suscetível a fortes oscilações em favor de determinados candidatos”.
 

“Um erro na pesquisa durante esse período pode insuflar artificialmente uma candidatura, por isso a restrição se justifica, evitando movimentos de alta ou de queda ilusórios”, defende.
 

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Bahia Notícias/Foto: Agência Câmara

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