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Após dois anos de subnotificação, casos de meningite aumentam 197% na Bahia

De tempos em tempos, ela – a meningite – toma conta do noticiário por surtos em algumas localidades.

Febre, dores de cabeça e no pescoço, náuseas, torcicolo. Por vezes, parece uma gripe ou resfriado – geralmente, quando é um quadro viral. Em outras situações, pode levar até à dificuldade para encostar o queixo no peito ou manchas vermelhas pelo corpo. De acordo com o Ministério da Saúde, esse é um indicativo de que os riscos de infecção generalizada são grandes.

De tempos em tempos, ela – a meningite – toma conta do noticiário por surtos em algumas localidades. Agora, o alerta é porque, depois de dois anos de subnotificação devido à pandemia da covid-19, de janeiro deste ano até o último dia 10, houve um aumento de 197% de casos confirmados de todos os tipos de meningite na Bahia em comparação a todo o ano passado (396 contra 133). As mortes pela doença também cresceram: foram de 25 em 2021 para 66 em 2022, o que representa um incremento de 164%.

O que está por trás desse aumento, segundo a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), é justamente a subnotificação, que aconteceu também com outras doenças durante o período mais agudo da pandemia.

“Além das medidas de isolamento, de todas as medidas para minimizar a transmissão, a gente teve uma subnotificação também de casos da rede. Teve um momento em que o mundo inteiro estava mais voltado ao controle da covid-19”, diz a coordenadora de Imunizações e Doenças Imunopreveníveis do órgão, Vânia Rebouças. “Quando a gente faz uma comparação com os anos antes da pandemia, não observa aumento”, acrescenta.

De acordo com o Ministério da Saúde, a meningite é considerada uma doença endêmica no Brasil, o que significa que há casos durante todo o ano, mas com surtos e epidemias ocasionais. Em geral, as meningites bacterianas são mais comuns no outono-inverno, enquanto as virais ocorrem mais na primavera e no verão.

“O que mais interessa para a vigilância é a questão das meningites bacterianas, pelo potencial de gravidade e transmissibilidade das doenças. Depois delas, as virais. Para as bacterianas, temos vacinas. Para as virais, não. Com elas, o tratamento é da sintomatologia”, explica Vânia.

Ainda assim, em comparação ao período anterior à pandemia, ela ressalta que não houve aumento significativo. De fato, em 2018 e 2019, o número total de casos foi de 381 e 409, respectivamente. A meningite meningocócica, que é uma infecção bacteriana aguda com alta letalidade, seria um dos exemplos disso: em 2022, foram 10 casos confirmados no estado, enquanto houve 25 e 41, respectivamente, entre 2018 e 2019.

“É preciso manter a vigilância constante porque casos de meningite podem ser potencialmente graves. Então, (o aumento) é um agravo que é endêmico, o que significa que, hoje, não tem nenhum surto de meningite na Bahia. Não podemos comparar dados epidemiológicos com os anos da pandemia, porque foi atípico, além das próprias medidas de isolamento social, como o uso de máscaras, que teve a diminuição de circulação de vírus e bactérias” , garante a coordenadora.

Ou seja, as medidas de prevenção da covid-19 também podem ter contribuído para a redução das notificações de alguns tipos de meningite, de acordo com a neurologista Roberta Kauark, médica preceptora da residência em neurologia do Hospital Universitário Professor Edgard Santos (Hupes) e doutoranda em Ciências da Saúde.

“Nas bacterianas, de modo geral, o contágio é respiratório, por gotículas. Então, se você faz essa prevenção por máscaras, também reduz, além da subnotificação”, explica a neurologista.

Crianças

A meningite é uma inflamação das meninges, que são membranas que revestem e protegem o sistema nervoso central, incluindo o cérebro. Embora as bacterianas e virais sejam mais conhecidas, elas podem ser provocadas também por fungos e até por traumatismo. As crianças normalmente são as mais acometidas pela doença, ainda que não sejam as únicas.

Quando a meningite é de origem bacteriana, pode gerar danos permanentes ao cérebro, como explica o médico pediatra Reinan Tavares, doutorando em pediatria pela Universidade de São Paulo (USP).

“O cérebro é um órgão vital, que regula diversas das nossas funções, como andar, correr, falar, se comunicar, se alimentar, trazendo consequências para o resto da vida. Além disso, (a infecção) tem potencial de gerar desorganização nos outros órgãos, com o prejuízo de todo o funcionamento do corpo, podendo levar até à morte”, explica.

No caso das crianças, essa se torna uma faixa etária mais propensa por ter um sistema imune que pode estar em desenvolvimento, a depender da idade. Isso significa que não necessariamente uma criança teria condições de lidar com a infecção da mesma forma que um adulto teria. “Uma criança com meningite grave pode ficar com quadro de paralisia cerebral. Essa é uma das coisas que difere (a doença) no adulto da criança”.

Uma eventual queda na cobertura vacinal, segundo o pediatra, pode tanto ter impacto na incidência de casos quanto na gravidade deles. “Isso é muito preocupante em termos de saúde pública, porque a nossa população fica mais vulnerável como um todo”, acrescenta Tavares.

A letalidade das meningites bacterianas é maior, como explica a neurologista Roberta Kauark. “Pode desenvolver e culminar no óbito em muito pouco tempo, tanto que a gente utiliza disso na hora de desconfiar da etiologia. A meningocócica é a que tem a letalidade maior, mas a pneumocócica pode trazer mais sequelas permanentes, como a surdez. Por isso, a preocupação é grande”.

Tipos e tratamento

Há cinco tipos de meningite identificados pelos especialistas, sendo elas a meningite viral, meningite bacteriana, meningite fúngica, meningite eosinofílica e meningite asséptica. Contudo, a infectologista Clarissa Cerqueira acredita que as meningites infecciosas podem ser classificadas em dois grandes grupos, que são as meningites virais e as meningites bacterianas, dada a frequência de ocorrências.

As meningites virais costumam ocorrer no verão, são mais comuns e geralmente mais leves. Elas são causada por vírus, sendo os principais os enterovírus, como o Coxsackie e o poliovírus, o vírus Epstein-Barr e o vírus do herpes. Nesse último, a infecção causada é chamada de meningite herpética, sendo um pouco mais grave do que os outros tipos de meningites virais.

Já as meningites bacterianas são ocasionadas pela inflamação das meninges em razão da ação de bactérias como Neisseria meningitidis, Streptococcus pneumoniae, Mycobacterium tuberculosis e Haemophilus influenzae. Clarissa Cerqueira alerta que essa é a meningite mais grave. “O paciente pode evoluir ao óbito em algumas horas ou alguns poucos dias”, aponta.

Para diferenciar as meningites virais das meningites bacterianas, é preciso realizar o exame do líquido cefalorraquiano (líquor). Isso porque, apesar de terem gravidades distintas, os sintomas de ambas meningites não apresentam diferença significativa.

“Os sintomas são basicamente febre, dor na nuca com dor de cabeça. E tem um sinal, que é aquilo que nós observamos no exame físico que o médico faz. É o sinal que chamamos de rigidez de nuca, que é a dificuldade em fazer a flexão do pescoço ou dor ao fazer a flexão do pescoço. Então, o paciente tendo dor de cabeça, dor na nuca e estando com febre, isso aí é um quadro suspeito de meningite. Com quadro suspeito, tem que fazer exame do líquor para saber se é viral ou bacteriana”, orienta a infectologista.

Clarissa destaca que a principal forma de prevenção é a vacinação. Ela pede que os pais levem as crianças para tomar a vacina meningocócica, pneumocócica e Haemophilus influenzae tipo B, que fazem parte do calendário vacinal infantil, para protegê-los dos casos mais graves de meningite. O tratamento da doença em seu tipo viral recorre a antivirais em casos mais graves, enquanto o tipo bacteriano costuma fazer uso de antibióticos.

Nos casos de meningite fúngica, causada normalmente pelo fungo Cryptococcus sp. e Coccidioides sp e comum de acontecer em pessoas com baixa imunidade e idade avançada ou doenças crônicas, a recomendação médica, além de repouso, pode incluir o uso de antimicrobianos. Já a meningite eosinofílica, considerada rara e causada por ingestão de carne de animais parasita Angiostrongylus cantonensis, pode trazer outros sintomas, para além dos tradicionais relacionados a meningite, como náusea e vômito. O tratamento também deve incluir o uso de antimicrobianos e reforço do sistema imunológico.

Por fim, a meningite asséptica, considerada não infecciosa, é uma doença benigna, autolimitada e geralmente causada por um vírus contido em organismos. Ela pode incluir todos os tipos de meningite que não envolva bactérias. “A meningite viral é um tipo de meningite asséptica. É aquele que não conseguimos achar um agente etiológico, que pode ser, inclusive, medicamentosa, decorrente de um quadro inflamatório. As alterações no líquor são bem semelhantes”, esclarece Clarice. A doença é tratada apenas com repouso e medicamento para controlar os sintomas.

Vacinação

Em outros estados, a queda da vacinação tem sido apontada como uma das razões para o aumento de casos de meningite em 2022. No entanto, na Bahia, como o perfil de ocorrência tem se mantido o mesmo em comparação aos anos anteriores à covid, não é uma das principais causas, na avaliação de Vânia Rebouças, da Sesab. Nos últimos anos, a cobertura vacinal de crianças têm caído de forma geral e preocupado pediatras e epidemiologistas.

“Hoje, na rede pública, temos dois tipos de vacina. Uma é a da meningite C, que está no calendário básico, com a primeira dose aos três meses de idade, a segunda aos cinco meses e um reforço a partir de um ano”, diz Vânia. Na Bahia, 71,37% das crianças menores de um ano estão imunizadas.

O Ministério da Saúde ampliou esse reforço para pessoas até 10 anos, se elas não tiverem histórico de vacinação, mas, na Bahia, a faixa etária foi esticada até os 19 anos, 11 meses e 29 dias, de acordo com avaliação do perfil da população. Profissionais de saúde também estão sendo contemplados com a ampliação, ainda que já tenham recebido alguma dose antes.

Além disso, desde o ano passado, há o imunizante ACWY, que protege contra quatro sorotipos da meningite, no Sistema Único de Saúde (SUS). Essa vacina também é indicada para adolescentes de 11 e 12 anos, considerados “potenciais transmissores”. Entre esse público, a cobertura vacinal no estado é de 36,09%.

“O calendário de vacinação protege as crianças e a resposta é muito eficaz nos primeiros cinco anos, mas, depois, começa a ter um pouco de reincidência. Por isso, o Ministério da Saúde observou que seria importante uma dose de reforço para os adolescentes, até porque acabam sendo portadores assintomáticos”, continua.

Já a vacina contra a meningite B, que, por enquanto, está disponível apenas na rede privada, também é indicada para crianças a partir dos seis meses.

Em Salvador, as vacinas contidas no calendário vacinal infantil federal estão disponíveis nos 161 postos de saúde da rede municipal, conforme informação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS).

Além da vacina, outra forma de prevenção é a quimioprofilaxia, mas apenas para contactantes de casos confirmados. “O diagnóstico é feito através da coleta do liquor. Você pode suspeitar, mas só através da coleta que é definido, quando tem a análise e é detectada a presença do patógeno”, diz a neurologista Roberta Kauark.

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Conteúdo Correio/Foto: Shutterstock

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