Silvio Santos, um dos maiores comunicadores da TV brasileira, morre aos 93 anos

Presente nos domingos dos brasileiros durante seis décadas, Silvio se consolidou como empresário e dono de um conglomerado que inclui o SBT.

O apresentador Silvio Santos morreu neste sábado (17), aos 93 anos. O apresentador estava internado no hospital Albert Einstein desde o início de agosto. A informação foi confirmada pelo SBT pelas redes sociais.

Em nota de pesar, o hospital disse que o apresentador morreu às 4h50, em decorrência de broncopneumonia após infecção por Influenza (H1N1).

Um apresentador que jogava aviõezinhos de dinheiro para a plateia. Um camelô que se tornou um dos maiores empresários de comunicação do país. Um comunicador que por pouco não se tornou presidente. Essas são apenas algumas passagens da trajetória que transformou Senor Abravanel em Silvio Santos.

Presente nos domingos dos brasileiros durante seis décadas, Silvio se consolidou como empresário e dono de um conglomerado que, além da rede de emissoras de televisão do SBT, inclui uma empresa de capitalização, uma rede de hotéis e uma marca de cosméticos.

Ao longo da vida, Silvio Santos se tornou um dos maiores nomes da televisão brasileira. Já como empresário, era de um tipo raro: aquele que distribuía barras de ouro, que, como ele gostava de brincar, “valem mais do que dinheiro”.

Nascido no Rio de Janeiro, em 12 de dezembro de 1930, Senor Abravanel, o Silvio Santos, era filho de pais imigrantes (um grego e uma judia) e tinha cinco irmãos.

Ainda menino, o comunicador usava o intervalo das aulas para vender doces e comprar mais guloseimas, mas a vida como vendedor ambulante teve início aos 14 anos, quando ele passou a vender itens simples no centro do Rio para gerar renda extra para a família.

Em uma tarde de 1945, Silvio ficou impactado ao ver a habilidade de um comerciante de rua na Avenida Rio Branco: o sujeito gritava oferecendo carteiras plásticas para guardar títulos de eleitor e vendia tudo em minutos. A escolha do produto não era à toa. Naquela época, o Brasil tinha passado pelo Estado Novo e, com o retorno à democracia, havia demanda para aquele acessório tão simbólico para os brasileiros.

Além das carteiras plásticas, Silvio ainda vendeu canetas, bijuterias, bonecas que dançam e até remédio para calos, mas o jeito dele era diferente. A atuação dele como vendedor era acompanhada por um verdadeiro show, com piadas e até truques de mágica.

Vida de camelô e artista

Apesar de todo o carisma que tinha, Silvio Santos não se livrava de passar pelos obstáculos que a profissão de camelô reservava. Mas o futuro apresentador de televisão não se deixava intimidar quando perdia as mercadorias e revidava com comunicação.

“Eu sou menor de idade, vocês não podem me prender. Vocês deviam prender os marginais, os ladrões, que estão soltos por aí, e não eu, que estou trabalhando”, dizia ele, segundo conta o irmão Léo, que o acompanhava nas vendas pelas ruas do Rio, e via o mais velho bater de frente com o “rapa”.

No relato ao biógrafo Arlindo Silva, publicado no livro “A fantástica história de Silvio Santos”, Léo ainda relembra que os discursos do irmão ajudavam a sensibilizar a população a tal ponto que os pedestres pediam aos fiscais para que devolvessem os itens do garoto.  A técnica, no entanto, não evitou que Silvio Santos fosse parar na delegacia — e isso teve papel crucial no que aconteceria em seguida.

“Um dia, o diretor da fiscalização da prefeitura, Renato Meira Lima, quis me levar para o Distrito, a fim de que eu não exercesse minha profissão de camelô”, relembrou Silvio, em depoimento ao livro de Arlindo Silva. “Ele estava prendendo por vadiagem os camelôs do Rio de Janeiro, mas quando me viu trabalhando, modificou seu pensamento a meu respeito.”

Lima entregou um cartão de um amigo que trabalhava na Rádio Guanabara e indicou que Silvio Santos o procurasse. Coincidência ou não, o dia escolhido por Silvio para visitar a emissora de rádio foi também a data de um concurso de locutores, que incluía candidatos de peso, como Chico Anysio.

Apesar da concorrência, Silvio ficou em primeiro lugar e foi contratado, mas a experiência durou pouco. O jovem locutor dizia que conseguia fazer muito mais dinheiro como camelô do que no microfone da rádio. “Pensando em tudo isso, tomei minha decisão: fiquei na Rádio Guanabara apenas um mês. E voltei a ser camelô”, contou.

Serviço militar

Ao atingir a maioridade, Silvio Santos teve de direcionar parte da atenção que dava aos negócios para outra atividade: o serviço militar obrigatório. Aos 18 anos, ele foi convocado para o Exército e serviu no antigo Núcleo de Formação e Treinamento de Paraquedistas, entre 1947 e 1948.

“Tive de ‘maneirar’ durante uns tempos nas minhas atividades de camelô. Imaginem a ‘cana’ dura que seria se eu fosse pego vendendo bugigangas?”, questionou Silvio ao falar ao biógrafo Arlindo Silva.

Na memória do comunicador, essa época rendeu “cinco saltos considerados bons”. Um informativo do Ministério da Defesa, de 20 de janeiro de 2008, deu detalhes da breve passagem dele pela vida militar e contrariou uma parte disso.

De acordo com o documento, a escola estava em processo de implementação naquela época e, por conta disso, o apresentador não teria chegado a fazer os saltos — pelo menos não de um avião militar em movimento.

Durante o período no Exército, Silvio Santos usou as folgas de domingo para se dedicar a um trabalho não remunerado na Rádio Mauá. Quando cumpriu o serviço militar, estava decidido: iria voltar à locução radiofônica, mas com os pés ainda no terreno empreendedor.

De volta ao rádio

Silvio foi da Rádio Mauá para a Tupi, mas, em 1951, migrou para a Rádio Continental, passou a usar as barcas Rio-Niterói para ir ao trabalho e notou que havia muito público à espera de ser conquistado, mas ninguém tentando transformar esse potencial em negócio.

Diante deste cenário, Silvio decidiu pedir demissão, usou a indenização para investir em um equipamento de alto-falantes na barca e passou a se apresentar como corretor de anúncios. “Foi neste momento que o espírito de camelô morreu definitivamente dentro de mim”, declarou ele a Arlindo Silva.

Ele ainda foi o responsável por as barcas ganharem um bar e um bingo, além de implementar uma promoção para aumentar os lucros: um concurso com prêmios — bem no estilo do que faria anos mais tarde com o Baú da Felicidade e a Tele Sena.

Aos 24 anos, o jovem Senor decidiu tentar a sorte em outro lugar. Aprovado em um teste da Rádio Nacional (atual Rádio Globo), ele se mudou para São Paulo.

Naquela época, o futuro dono do SBT já tinha adotado o nome artístico que o tornaria conhecido dos brasileiros. A explicação para a escolha: ele considerava que Senor era complicado demais e gostava que a mãe o chamasse de Silvio.

Além do trabalho como locutor, o novo comunicador começou a fazer a apresentação em shows de circo e a famosa Caravana do Peru que Fala.

O sucesso da caravana rendeu um convite para que ele participasse de um quadro no programa de Manoel de Nóbrega na Rádio Nacional, o que elevou os índices de audiência e atraiu mais interessados naquele jovem de origem carioca.

O Homem do Baú

Quase no final da década de 1950, Nóbrega investiu na ideia do Baú da Felicidade, mas o principal sócio da iniciativa perdeu o dinheiro e deixou o negócio à beira de um prejuízo.

Nóbrega pediu ajuda de Silvio para dar fim naquela empreitada, atender as reclamações dos clientes e tentar fazer com que o fim do projeto fosse o menos conturbado possível. No entanto, ao conhecer o negócio mais fundo, Silvio percebeu que poderia torná-lo rentável.

Em 1958, o jovem locutor e Nóbrega tornaram-se sócios no Baú da Felicidade, e o Grupo Silvio Santos começou a tomar forma. Três anos depois, Silvio adquiriu a participação do parceiro e virou o acionista majoritário da empresa.

No início da década de 1960, o apresentador resolveu investir os primeiros rendimentos do negócio em um horário na TV e começou a migrar do rádio para a televisão, onde comandou o “Vamos brincar de forca” e o “Prá ganhar é só rodar”. Ambos os programas de Silvio eram veiculados pela TV Paulista, que acabou comprada pelas Organizações Globo (hoje, Grupo Globo), em 1966.

Já popular e consolidado à frente das câmeras, o apresentador comandava o “Programa Silvio Santos”, que ia ao ar aos domingos, tinha seis horas de duração e estava entre os mais assistidos da TV brasileira.

Surgimento do SBT

Anos depois, uma reformulação proposta pelas Organizações Globo na TV Paulista pretendia acabar com os programas de auditório. Com isso, o comunicador começou a busca pelo próprio canal.

Na década de 1970, Silvio Santos comprou 50% das ações da TV Record, que tinham sido colocadas à venda pelos donos da emissora. Depois, obteve a concessão da carioca TVS, o canal 11, que entrou no ar em 1976, mas o grande passo foi dado após a derrocada da TV Tupi, quando o governo lançou uma concorrência pelas concessões.

Da disputa, Silvio saiu com as concessões da Tupi em São Paulo (canal 4), TV Continental no Rio de Janeiro (canal 9), TV Piratini em Porto Alegre (canal 5) e TV Marajoara em Belém (canal 2). Nascia, então, o SBT, que fez sua primeira transmissão em 19 de agosto de 1981 e virou a casa oficial do “Programa Silvio Santos”.

Ao longo do tempo, o SBT cresceu e, em alguns momentos, chegou a ameaçar a liderança da TV Globo na disputa pela audiência dos brasileiros. Em 2011, o eterno Homem do Baú chegou a comentar a disputa com a concorrente na TV aberta. Em tom de brincadeira, Silvio afirmou que sabia que “lutar contra a Globo, na minha opinião, é impossível”.

Na batalha por bons índices, Silvio Santos perdeu Gugu Liberato para a Globo, no fim de 1987. O apresentador não tinha contrato com o SBT, então, a emissora carioca ofereceu um programa aos domingos. Gugu aceitou, mas não chegou a estrear.

Em uma manobra para não perder o apresentador, Silvio fez uma proposta milionária, deixou claro que pensava em Gugu para sucedê-lo e se ofereceu para acompanhá-lo até a emissora concorrente para romper o contrato e pagar a multa que fosse estipulada.

O dono do SBT conversou pessoalmente com Boni, então vice-presidência de Operações da Globo, e com Roberto Marinho, o proprietário do Grupo Globo. Até hoje, não há resposta oficial para como o caso se resolveu: se a multa foi paga ou não, mas Gugu voltou ao SBT, onde assumiu o programa dominical Domingo Legal, que apresentou até 2009.

Família

A vida pessoal de Silvio Santos incluiu um capítulo traumático: o sequestro da filha Patrícia Abravanel, que passou uma semana em cativeiro e foi liberada após resgate no valor de R$ 500 mil. No dia seguinte, o sequestrador Fernando Dutra Pinto pulou o muro da mansão da família Abravanel e fez o apresentador refém.

O caso foi acompanhado por todo o país pela televisão, inclusive pela tela da TV Globo, que teve audiência recorde com as transmissões sobre o episódio. Mas o que poderia ter acabado em tragédia terminou com o criminoso se entregando à polícia.

Comunicador que passou a maior parte da vida na frente das câmeras, Silvio Santos se casou duas vezes. A primeira mulher, Maria Aparecida Vieira, morreu em 1977. No ano seguinte, o apresentador se uniu a Íris Abravanel, que permaneceu ao seu lado desde então. Silvio também teve seis filhas, que ganharam papel de destaque na frente das câmeras ou nos bastidores do SBT, além de nove netos.

No início de novembro de 2023, em entrevista a um podcast apresentado por Christina Rocha, Cíntia Abravanel, filha de Silvio e mãe do ator e cantor Tiago Abravanel, comentou o “sumiço” do pai da tela do SBT, onde as aparições dele foram mais raras nos últimos anos.

“Ele não é mais aquela pessoa. Para ele, também deve estar sendo difícil não ser mais aquela pessoa”, disse Cíntia. “Ele tem [quase] 93 anos. O Silvio Santos que vocês querem está no YouTube. As pessoas não se tocam que aquele Silvio Santos não existe mais.”

Cíntia também falou sobre o novo comando do SBT, liderado por suas irmãs Daniela Beyruti e Renata Abravanel. “Tem alma nova no SBT, com cara nova, cabeças novas. E é importante fazer isso com ele vivo.”

CNN

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