Representantes de empresa em Tragédia de Mar Grande contestam condenação
O engenheiro também argumentou sobre a decisão do Tribunal Marítimo, que afirma que a embarcação tinha que suportar as ondas a que era submetida.
Os representantes da CL Empreendimentos Eireli, empresa responsável pela lancha Cavalo Marinho I, que virou na Baía de Todos-os-Santos em agosto de 2017, entre Salvador e a Ilha de Itaparica, causando a morte de 19 pessoas, disseram que a condenação do Tribunal Marítimo “contraria norma técnica” e relataram que houve “erro grosseiro de perícia”. A empresa recorreu do julgamento.
Nesta sexta-feira (4), a CL Empreendimentos realizou pela primeira vez, desde o acidente, uma coletiva de imprensa. A empresa contestou a condenação do Tribunal Marítimo da Marinha do Brasil, ocorrida em julgamento realizado no dia 20 de agosto, no Rio de Janeiro. Na ocasião, foram condenados por unanimidade o engenheiro, o dono e a empresa responsáveis pela lancha Cavalo Marinho I.
Os representantes da empresa que concederam a entrevista nesta sexta foram o advogado maritimista José Castro Freire e o engenheiro naval Vanderley Bernardo – que não é o mesmo engenheiro que projetou a lancha e que foi condenado pelo acidente.
Os principais pontos questionados por eles são:
- Falta de aviso de mau tempo, que é expedido pela Marinha, no dia do acidente;
- Perícias contraditórias feitas pela Capitania dos Portos da Bahia e pelo Tribunal Marítimo;
O primeiro ponto levantado por Vanderley Bernando é que a Cavalo Marinho I era uma embarcação construída para navegar em área 1, o que significa dizer que ela foi construída para locais que não apresentam dificuldades para manobra da embarcação.
“Obviamente, o que a gente viu no dia do acidente não foi uma área 1. O outro problema que aconteceu foi o seguinte: onde estava o aviso de mau tempo? O comandante chegou às 6h para trabalhar, 6h30 saiu com a embarcação dele. O local onde estava a embarcação é um local protegido, não dá para saber se tem onda ou não. Quando ele saiu, foi pego de surpresa com ondas de 3,80 metros. Não havia o aviso de mau tempo da Capitania [dos Portos], nem a previsão do tempo no processo. As condições de mar, ondas e ventos estavam degradadas, então, onde está o aviso de mau tempo? Embarcações que estão autorizadas a sair em área 1 não deveriam sair, mas como comandante vai adivinhar isso, se está protegido às 6h?”, questionou o engenheiro.
“A previsão do tempo é um documento que a Marinha faz e, neste documento, existe o aviso de mau tempo. O problema todo é que a previsão do tempo não está no processo. A previsão do tempo que tinha nos autos é a previsão do dia 24, às 12h, seis horas depois do acidente”, – Vanderley Bernardo.
O engenheiro Vanderley Bernardo também rebateu o inquérito da Marinha que apontou que a embarcação era instável. Segundo ele, além de atender aos critérios de estabilidade, a Cavalo Marinho I também tinha reserva.
“A embarcação era estável e, mais importante que ser estável, ela atendia o que a norma preconiza como critério de estabilidade. Ela tem que ter estabilidade e mais uma reserva. Eu fiz os cálculos dessa embarcação, e ela possuía cinco vezes a estabilidade normal, que é preconizada. A embarcação também atendia a todas as normas legais. Todos os documentos estavam em dia e há pouco tempo tinham sido renovados. Todos os planos da embarcação haviam sido aprovados”, disse.
“Não havia nada na embarcação que não tivesse sido aprovada. E mais importante, a embarcação estava autorizada a navegar. Ela possuía o certificado de segurança da embarcação. Sem esse documento a embarcação não pode navegar” , falou Vanderley Bernardo.
Ele chamou a atenção para os cálculos que o engenheiro da Marinha fez. Segundo ele, o especialista fez o cálculo usando documentos errados, o que gerou um equívoco no estudo de estabilidade feito pela Marinha.
“Foram encontrados mais de 10 equívocos, dos mais grosseiros e importantes aos menos importantes. O principal deles foi o uso de um documento equivocado. O engenheiro, para fazer esse cálculo, ele precisa de quatro documentos. Três estavam no processo e um, o principal, não se encontrava no processo. Inadvertidamente, o técnico pegou o plano de arranjo geral de outra época da embarcação e executou o cálculo com esse projeto. Ou seja, o cálculo foi feito com documento errado”, argumentou.
Ainda segundo Vanderley Bernando, a Marinha fez dois estudos de estabilidade: um conduzido pela própria Capitania dos Portos da Bahia e outro por um perito determinado pelo Tribunal Marítimo.
“O estudo do juízo da CPBA contradiz o perito do juízo, apesar deles terem feito os cálculos com o mesmo documento errado. E o perito do juízo contradiz o perito da CPBA. Um invalida o outro.
“O documento mostra como as pessoas vão ser distribuídas para que seja feito o cálculo. Usar o plano errado, o plano de outra embarcação, vamos dizer assim, é um erro grosseiro de perícia” , afirmou Vanderley Bernardo.
O engenheiro também argumentou sobre a decisão do Tribunal Marítimo, que afirma que a embarcação tinha que suportar as ondas a que era submetida.
“A norma técnica não diz isso, Cada embarcação é construída para suportar um determinado estado do mar. Há uma porção de coisas que contraria a norma. Atendimento aos critérios de estabilidade não dão imunidade à embarcação pelos efeitos do tempo”, ponderou.
Outro ponto levantado pelo inquérito da Marinha foi a necessidade de um novo estudo após a colocação dos lastros no fundo da embarcação. O engenheiro naval disse que esse estudo existia e que todos os documentos eram válidos. Segundo ele, a manutenção para colocação dos lastros foi feita em 2015, enquanto o documento de inspeção foi emitido em abril de 2016.
O advogado José Castro disse que a defesa da CL Empreendimentos já entrou com recurso, mas que ele ainda não foi julgado.
“Queremos absolver nossos clientes, junto ao Tribunal Marítimo. Se por acaso nós não conseguirmos, as decisões do Tribunal Marítimo poderão ser revistas pelo Poder Judiciário. Se não ganharmos ação, vamos recorrer à Justiça Federal”.
Julgamento
O julgamento do Tribunal Marítimo aconteceu às vésperas do acidente completar 3 anos. Vinte pessoas morreram por causa da tragédia – 19 delas no dia do acidente e uma em 2018, por sofrer de depressão e estresse pós-traumático.
A Cavalo Marinho I naufragou cerca de 15 minutos após sair do cais de Mar Grande, na cidade de Vera Cruz, no início da manhã.
O julgamento foi feito pelo juiz Nelson Cavalcante e Silva Filho, junto com um colegiado formado por sete pessoas. Eles analisaram fatores como: se o comandante executou a manobra de forma correta; se os cálculos para construção da embarcação estão corretos; se houve alguma falha em algum equipamento ou se houve desgaste na embarcação.
No julgamento, os entenderam que a situação foi causada por problemas construtivos que não tinham sido detectados porque a embarcação não foi submetida à prova de inclinação e estudo de estabilidade depois que foi reformada.
A corte considerou que Lívio Garcia Galvão Júnior, que é dono da CL Empreendimentos Eireli, a quem pertencia a Cavalo Marinho I, além de ser também sócio-administrador da empresa armadora da lancha e Henrique José Caribé Ribeiro, o engenheiro e responsável técnico pelos planos da embarcação tinham conhecimento dos riscos e, os condenou com as penas máximas.
Segundo o Tribunal Marítimo, Osvaldo Coelho Barreto, o marinheiro que comandava a embarcação durante o naufrágio, não foi considerado culpado pelo acidente.
O julgamento da Corte Marítima não é válido nas esferas criminal e cível, mas pode ser usado para auxiliar decisões dos órgãos do Poder Judiciário e também como argumento em processos indenizatórios contra os réus.
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G1 Bahia