As tensões no campo têm crescido em todo o país desde o início do terceiro governo Lula.
Mais de 2 mil fazendeiros de todas as regiões da Bahia se reuniram ontem na Assembleia Legislativa para pressionar o governo do estado a garantir a segurança no campo e tranquilidade para quem produz alimentos e gera emprego e renda na Bahia. Para atingir esse objetivo, eles manifestaram apoio à CPI que pretende investigar a origem do financiamento das invasões do MST a terras produtivas, que vêm ocorrendo em todo o estado.
A CPI teve a adesão de 30 deputados, nove a mais que o exigido para poder ser instalada, incluindo parlamentares da base governista e o próprio presidente da Casa, Adolfo Menezes (PSD). Uma das lideranças da oposição, Sandro Régis (União Brasil) afirmou aos fazendeiros que nunca houve um movimento tão forte pelo fim das invasões de terras no estado.
“Fizemos diversas audiências. Com muitas falas, muitos discursos e quando acabava a audiência se encerrava o assunto. Temos que ser objetivos hoje. Aqui não é palco para discurso político, é palco para trazer soluções”.
As tensões no campo têm crescido em todo o país desde o início do terceiro governo Lula. O número de invasões nos três primeiros meses deste ano, o primeiro da atual gestão, é maior que o total registrado em 2019, o primeiro do governo Bolsonaro.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) está realizando diversas invasões de áreas produtivas no que chamam de Abril Vermelho. As ações, segundo o movimento, são para relembrar o Massacre de Eldorado do Carajás, como ficou conhecido o episódio que resultou na morte de 19 sem-terras durante enfrentamento com a PM em 17 de abril de 1966, em Eldorado do Carajás, no Pará.
Após diversas invasões, o MST entrou em acordo com o governo federal na última quinta (20) e prometeu encerrar as ações. As sedes da Empresa Brasileira de Pesquisa e Agropecuária (Embrapa), em Pernambuco, e da empresa Suzano, de papel e celulose, no Espírito Santo, foram desocupadas. Porém, um dia após o acordo, mais três invasões a terras produtivas aconteceram na Bahia.
“O que a gente pretende é que a CPI seja instaurada, para que não haja um derramamento de sangue no campo. Porque já está para acontecer isso. Por isso nós viemos, somos um movimento pacífico”, disse Marcelo Pinheiro, agricultor de Ilhéus.
Tatiana Lima Moreira cria gado e produz cacau no sul do estado. Ela relata que teve sua fazenda invadida no início deste mês por cinco pessoas, incluindo uma adolescente de 12 anos. Ela disse que os invasores mandaram tirar os animais do local, deram um prazo para que ela saísse de duas das três casas que possui e disseram que tomariam posse de parte da sua plantação de cacau. Segundo ela, são aproximadamente 17 mil pés de cacau e o valor da casa chega a R$ 3 milhões. “A gente quer o nosso direito de trabalhar, de permanecer com a nossa integridade. A gente quer que as leis permaneçam e que prevaleçam”, disse.
De acordo com a Secretaria da Segurança Pública, o governo têm atuado, através das polícias Militar e Civil, para evitar conflitos entre produtores e integrantes do MST. “Em alguns casos, propriedades foram desocupadas com o diálogo intermediado pelas forças estaduais de segurança”, afirmou a secretaria em nota ao CORREIO. “Por fim, a pasta ressalta também que tem cumprido todas as ordens da Justiça, referentes à reintegração de posse”, complementou.
Caravanas
Para participar da reunião, muitos fazendeiros fizeram como Tatiana e se juntaram em caravanas para a capital. “A gente juntou e pagou o ônibus. Tem dois ônibus de Medeiros Neto, Teixeira de Freitas e algumas pessoas de Itamaraju e Eunápolis. Vieram 77 pessoas”, contou Gabriel de Jatobá, que saiu de Medeiros Neto, no extremo sul da Bahia.
Os fazendeiros que partciparam da reunião ontem na Assembleia garantem que dependem de suas terras para sobreviver e movimentar o Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia com o agronegócio. De acordo com a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), o setor agropecuário representou 27,6% de todo o Produto Interno Bruto da Bahia (PIB, soma de todas as riquezas produzidas no estado) em 2022.
Deputados governistas também defendem investigações
A criação da Comissão Parlamentar de Inquérito das Invasões de terras (CPI das Invasões) conta com 30 assinaturas. São 9 a mais que o necessário para que seja instalada. Entre os deputados que apóiam a CPI está o presidente da Casa, Adolfo Menezes (PSD) e deputados da base governista.
Ainda assim, a abertura da comissão não está totalmente assegurada pois enfrenta resistência do Executivo. A demora na implantação da CPI, mesmo cumprindo a exigência regimental de apoio de um número mínimo de 21 deputados, é, segundo representantes do setor agropecuário, um motivo a mais para o crescimento das tensões nas lavouras baianas.
“Para que a gente evite essa guerra civil que pode acontecer na zona rural, estamos aqui hoje (ontem) chamando atenção para a CPI, que só depende agora do presidente (da Assembleia) instaurar. Nós temos 30 assinaturas, somos 20 deputados da oposição e 63 deputados na assembleia. Conseguimos mais 10 assinaturas, porque esse movimento não é de oposição, esse movimento é suprapartidário”, afirmou o deputado Manoel Rocha (União Brasil).
O MST foi procurado para se posicionar sobre a CPI, mas não respondeu até o fechamento desta edição. A reportagem entrou em contato com o deputado federal Valmir Assunção (PT), ex-dirigente do MST na Bahia. Ele defendeu o movimento e se colocou contra a comissão.
“Há uma realidade concreta: se não há mobilização social, a reforma agrária não acontece. A propriedade, segundo a Constituição Federal, não é sagrada, muito menos inviolável, mas cumpre função social”, disse. “Uma CPI sem fatos determinados é tentar criminalizar uma luta por um direito e, consequentemente, é se colocar contra as políticas de reforma agrária e atrasar o Governo do estado nas ações que são fundamentais para a Bahia”, seguiu.
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