O risco do Carnaval: entenda quais as chances de doenças respiratórias após a folia
Após dois anos sem festa pela pandemia, foliões podem ter que lidar não apenas com a covid-19, mas outras infecções.
Foi depois do Carnaval de 2020 que tudo mudou. Em poucos dias após a Quarta-feira de Cinzas, baianas e baianos estariam confinados e aprendendo a lidar com as primeiras notícias da covid-19 no estado. Dali em diante, nada foi como antes por muito tempo. Depois de dois anos sem festa, porém, a folia momesca está de volta num contexto novo: em meio a uma pandemia.
É, porque, oficialmente, apesar do que muita gente possa achar, a crise de saúde ainda não acabou. O “fim” só poderá ser decretado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – a mesma entidade que declarou que o coronavírus era uma emergência sanitária global há três anos. Mas já há outras infecções virais circulando por aí. Da Influenza à mononucleose (doença do beijo), passando por outros velhos conhecidos que sempre aparecem, como rinovírus (resfriado), parainfluenza, enterovírus (gastrointestinal) e outros tantos, o Carnaval traz novas incógnitas.
Se sempre há uma virose pós-carnaval, é possível que você esteja se perguntando o quanto ela pode ser preocupante em um contexto epidemiológico com a presença do coronavírus. Ainda que os casos venham apresentando queda nos últimos dias, ainda há pelo menos 231 pessoas com o vírus da covid-19 ativo no estado, de acordo com o boletim semanal da Secretaria da Saúde da Bahia (Sesab), atualizado na última terça-feira (14).
Poderão surgir novas variantes Sars-cov-2 após a festa? Quais são os riscos de novas ondas, tanto da covid-19 quanto de outros vírus? De acordo com todos os cientistas e profissionais de saúde ouvidos pela reportagem, o risco sempre vai existir. No entanto, ainda que não dê para prever tudo com total certeza, os prognósticos não são dos piores.
“Normalmente, esse período de Carnaval tem uma concentração muito grande de pessoas na rua. São pessoas que estão muito próximas e que vêm de vários lugares do mundo, então você tem uma circulação de vírus grande”, admite a infectologista e imunologista Fernanda Grassi, pesquisadora da Fiocruz.
Para ela, porém, o momento é diferente dos períodos de Carnaval em 2021, auge da crise; 2022, quando o estado saía da maior onda da ômicron; ou mesmo de 2020, quando já havia casos ao redor do mundo. Não ter havido festa nos anos anteriores, na avaliação da pesquisadora, foi a decisão mais acertada quanto à saúde pública.
O quadro agora é outro, o que dá uma certa tranquilidade. “Nesse momento já temos uma porcentagem muito grande de pessoas vacinadas, temos vacinas disponíveis e temos um conhecimento da covid que a gente ainda não tinha tanto naquela época, sobretudo em 2021”, pondera Fernanda.
Nova variante
As viroses pós-Carnaval não são facilitadas apenas pela aglomeração de pessoas nos circuitos, mas pelos hábitos durante os dias de festa. Muita gente dorme mal e não se alimenta de forma saudável, o que pode comprometer mais o sistema imunológico, como destaca o pesquisador Ramon Saavedra, doutorando em Saúde Coletiva pelo Instituto de Saúde Coletiva (ISC) da Universidade Federal da Bahia (Ufba).
“O Sars-cov-2 entra como um elemento a mais para somar nessa equação de probabilidades”, pondera. “Estamos num momento favorável no que se refere a transmissão de covid-19 porque houve uma redução substancial de casos graves e óbitos. E isso foi possível graças à vacinação. Contudo, a transmissão do vírus mantém-se sustentada, ainda que em níveis mais controlados”, acrescenta.
Isso não significa que o risco de uma nova variante do Sars-cov-2 surgir no Carnaval deixou de existir, assim como há chances de novas cepas surgirem a todo o tempo. Neste caso, há que se ressaltar o grande número de pessoas vindas de todo o mundo. Ainda assim, a situação seria diferente devido à existência da vacina, assim como a cobertura vacinal.
Para o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, professor do ISC/Ufba, é difícil dimensionar qual será o cenário exato a ser encontrado após o Carnaval – além do já esperado aumento das infecções respiratórias em geral.
“Nós vimos que a mutação que vinha da Europa já ocorreu no início de dezembro, quando a população toda estava tossindo e com febre. Estamos num período baixo de infecções respiratórias, esperando o aumento da influenza junto com a chegada do inverno”, diz, citando a campanha de vacinação contra a gripe, que terá início em abril.
Como houve essa ‘antecipação’ do coronavírus no final do ano passado e as ocorrências têm sido consideradas baixas, ela acredita que não deve ser a covid-19 a responsável pela virose pós-festa.
“Não acho que vamos ter um surto grande de covid, mas podemos ter uma surpresa. Além disso, outros surtos respiratórios é possível que aconteçam”.
Nos dois primeiros anos da pandemia, houve uma mudança na sazonalidade desses vírus respiratórios, de acordo com a pediatra Michelli Rodrigues, consultora médica da Beep. No entanto, eles foram recorrentes em 2022 e seguem presentes.
“Como a principal transmissão da maioria desses vírus é através do contato entre pessoas, da fala, tosse ou espirro de uma pessoa contaminada para outra, locais fechados e aglomerados favorecem a disseminação”, diz ela, citando também outras infecções, como gastroenterites agudas, que provocam diarreia e vômito, e conjuntivites.
A avaliação é a mesma da coordenadora do Programa Estadual de Imunização da Sesab, Vânia Rebouças. Segundo ela, não é possível afirmar como será a virose pós-carnaval porque o comportamento epidemiológico muda a cada ano, especialmente porque alguns vírus têm mutação genética muito rápida.
“Falar quais as cepas que mais vão circular pós-Carnaval não tem como, mas podemos falar sobre o que está circulando agora, que é que ainda temos casos de covid-19 e temos casos de influenza confirmados. As pessoas com esquema atualizado de vacinação têm menor risco de ter doença”, enfatiza.
Etiqueta respiratória
Quem vai ao Carnaval deve ter consciência desses riscos – que podem existir em maior ou menor grau. Mas seria possível falar em reduzir os riscos? Para Vânia, é possível recorrer a uma chamada “etiqueta respiratória”. Um dos itens básicos disso é a própria vacinação, que deve ser feita o quanto antes. Ainda que uma vacina possa demorar até quinze dias para efetivamente proteger alguém, é importante lembrar que a virose pós-Carnaval circula justamente dias ou semanas após a folia.
“E se as pessoas estiverem com sintomas, devem evitar ir, pela possibilidade de transmitir o vírus para outras pessoas, principalmente em trios. Mesmo em ambientes abertos, se estão com sintomas, o ideal é que fiquem em casa aguardando a melhoria deles”.
O nível de adoecimento de alguém vai depender muito da imunidade de cada um.
“Por isso, é importante manter bons hábitos alimentares no período e muita hidratação para não ter baixa imunidade. Isso favorece o aparecimento de viroses oportunistas que não levariam ao adoecimento se as pessoas não estivessem mais protegidas”, completa Vânia.
Recomendações do tipo “manter a distância” ou “usar máscara” são algo impensável no Carnaval, diante da própria forma como a festa funciona. Por isso, é preciso avaliar também a própria condição antes do evento. “Eu aconselho pessoas que são imunossuprimidas ou que não se vacinaram, porque tem uma porcentagem muito pequena que não se vacinou, a não ir para o meio da folia”, sugere a infectologista e imunologista Fernanda Grassi, pesquisadora da Fiocruz.
De certa forma, o fato de o Carnaval em Salvador acontecer principalmente em locais abertos e até perto do mar continua ajudando, ainda que se trate de uma aglomeração. “Acho que a gente pode fazer um Carnaval, sim, porque temos vacina. Não tem motivo para as pessoas não se vacinarem e não voltarem a viver normalmente. Os cuidados que a gente tem que ter são cuidados gerais e as pessoas que são mais frágeis realmente não devem ficar lá no meio, porque essas pessoas podem fazer quadros mais graves”, acrescenta.
Crianças
Como muitas crianças ainda não receberam o esquema completo de vacinação contra a covid-19, ou mesmo imunizantes para outras doenças, elas também entram nesse ponto de cuidado. A coordenadora do Programa Estadual de Imunização, Vânia Rebouças, ressalta a necessidade de imunizá-las no período correto.
“Temos vacinas para dezenas de doenças na rede pública para diferentes idades. Normalmente, os foliões são adultos, mas a gente precisa proteger não só eles, mas as crianças que estão em casa”, reforça.
A Bahia já definiu a dose de reforço para crianças com idades entre cinco e 11 anos. “Temos a Pfizer pediátrica, chamada pelo pessoal de Pfizer Baby e que atende crianças dos seis meses aos cinco anos. Ela também foi disponibilizada semana passada para os municípios que estão dando continuidade a esse público”.
Para a pediatra Michelli Rodrigues, da Beep, os índices de cobertura vacinal para crianças menores de cinco anos no estado também são preocupantes. “Mesmo sabendo que a maioria das crianças apresenta as formas leves e até assintomáticas da doença, existem possíveis formas graves e complicações, como a síndrome inflamatória multissistêmica e a covid longa”, afirma, citando que a vacina contribui para prevenir esses casos.
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Correio/Foto: Marina Silva/Arquivo CORREIO