O que significa descoberta de novo coronavírus proveniente de morcegos na China? Entenda

Pesquisadora Shi Zhengli, do Instituto de Virologia de Wuhan, liderou a pesquisa que identificou o HKU-CoV-2.

A descoberta em estudos de laboratório na cidade de Wuhan, na China, de um novo coronavírus proveniente de morcegos com potencial para infectar humanos ganhou atenção na última semana. Nas redes sociais, diversas postagens com tom alarmista deram a entender que a identificação do HKU5-CoV-2, como foi denominado pelos pesquisadores, significa que há uma nova pandemia nos moldes da provocada pela covid-19 a caminho. No entanto, não há evidências que permitam tal afirmação.

Pesquisadores ouvidos pelo Estadão Verifica afirmam que, diferente do SARS-CoV-2, causador da covid-19, o HKU5-CoV-2 não está adaptado a seres humanos. Ou seja, não há registro de infecção em humanos ou, ainda, de transmissão entre humanos. A infectologista e epidemiologista Luana Araújo explica que, ao contrário do vírus da covid-19, que foi descoberto já adoecendo pessoas, o HKU5-CoV-2 foi mapeado em etapa anterior.

“Ele não está adaptado à infecção de seres humanos. Ele está adaptado ao morcego. É uma outra história“, destaca a especialista, formada em Medicina e Infectologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Saúde Pública pela Escola de Saúde Pública Johns Hopkins Bloomberg (BSPH).

”O que temos neste caso é um sistema de vigilância sofisticado que conseguiu identificar esse vírus nos morcegos antes que ele se adapte aos humanos”, acrescenta a pesquisadora.

O novo coronavírus foi descoberto em um trabalho de vigilância liderado pela virologista Shi Zhengli, do Instituto de Virologia de Wuhan. Os resultados foram divulgados em estudo publicado na revista científica Cell, no dia 18. Zheng-Li é internacionalmente conhecida como “batwoman” (mulher-morcego, em tradução livre), por seus esforços em monitorar novos vírus com origem em morcegos.

“Os morcegos são mamíferos e a gente sabe que eles carreiam centenas, milhares de vírus que podem eventualmente nos preocupar, se adaptando a seres humanos a partir de poucas mutações”, explica Luana Araújo.

O que estudo mostrou é que o HKU5-CoV-2 tem mecanismo semelhante ao do vírus da covid-19 para se conectar ao receptor ACE2 das células humanas e, assim, penetrá-las.

“Mas essa é uma evidência indireta”, explica o geneticista e virologista Rodrigo Brindeiro, do Laboratório de Virologia Molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “O estudo mostrou que há afinidade entre a proteína S do novo vírus de se conectar a células humanas, mas isso não significa que o vírus tem a capacidade de infectar o organismo humano. Ele precisa sofrer mutações para isso”.

Brindeiro faz uma analogia:

“Não basta ter um bom motor para um carro ser uma Ferrari. É preciso ter um bom motor, pneus, marchas, aerodinâmica, tudo isso. Da mesma forma, não basta ter a proteína S para se fazer uma infecção bem sucedida, é preciso outras mutações para que isso ocorra”.

Instalações de segurança nível P4 no Instituto de Virologia de Wuhan Foto: JOHANNES EISELE / AFP

O infectologista Julio Croda, da Fiocruz, explica que o estudo que identificou o HKU5-CoV-2 não permite prever se, caso o vírus se adapte ao ser humano, ele irá causar uma doença e em que nível de gravidade.

“Isso não pode ser mensurado em pesquisa de laboratório com cultura de células, como foi feito neste estudo. Serão necessárias outras pesquisas em modelos animais, o que não foi feito”, explica o infectologista Julio Croda, da Fiocruz.

“Mesmo que o vírus venha a se adaptar em humanos e com grande capacidade infecciosa, pode ser que ele não cause doença”, acrescenta Brindeiro. “Há uma grande diferença entre o vírus ser infeccioso e ser patogênico”.

Segundo os pesquisadores, a notícia da descoberta do HKU5-CoV-2 em morcegos, mais do que trazer preocupação, deveria trazer alívio.

“Isso é bom, porque o sequenciamento genético foi feito. Com isso, caso o vírus se adapte em humanos e isso venha a ser uma ameaça, podemos gerar uma resposta mais rápida e efetiva, inclusive com produção de vacina”, diz Croda.

MS: não há evidência de risco iminente

Procurado, o Ministério da Saúde afirmou, em nota, que “até o momento, não há evidências científicas que indiquem risco iminente de pandemia associada ao HKU5-CoV-2“. Segundo a pasta, a detecção de novos coronavírus é um fenômeno esperado dentro da dinâmica viral, especialmente em morcegos.

“Esses vírus passam por evolução genética contínua, com o surgimento de novas linhagens e variantes ao longo do tempo. No entanto, nem todas apresentam potencial pandêmico ou impacto significativo na saúde pública”, explica o órgão.

O Ministério da Saúde disse que acompanha sistematicamente a evolução dos coronavírus em cooperação com redes de laboratórios nacionais e internacionais. E que, após a pandemia da covid-19, o País aprimorou sua capacidade de resposta a emergências de saúde pública, com detecção precoce de novos patógenos e a adoção de medidas proporcionais ao risco identificado.

“O Ministério da Saúde segue atento às novas descobertas científicas e reforça que qualquer mudança no cenário epidemiológico será comunicada de forma transparente à população”, diz a nota.

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