O estopim da crise foi o voto de dois expoentes do ecossistema de movimentos na reforma da Previdência, em julho.
O ano de 2019 começou do jeito que eles sonharam: com recorde de novatos eleitos e a promessa de ambiente favorável a inovações.
Desde então, grupos que pregam renovação na vida pública e ajudaram a impulsionar a oxigenação se depararam com a política da vida real –e vêm lidando com muita cara feia.
Organizações como RenovaBR, Acredito e Livres sofrem ataques e questionamentos de partidos, em um movimento que classificam como reação do status quo a um corpo estranho.
No conflito, já teve legenda que fechou as portas para membros de movimentos, acusação de que as entidades atuam como siglas paralelas e embates na Justiça Eleitoral. Uma guerra que, na visão dos dois lados, só tende a se acirrar, apesar de exemplos de boa convivência aqui e ali.
O estopim da crise foi o voto de dois expoentes do ecossistema de movimentos na reforma da Previdência, em julho.
Por darem sim ao projeto, contrariando a orientação partidária, Tabata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-ES) foram punidos pelas siglas e agora brigam no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para se desfiliarem sem perder os mandatos.
Os dois deputados federais de primeiro mandato integram o Acredito, um movimento de jovens com ramificações pelo país que tem como bandeira o combate à polarização e à desigualdade.
Eles também foram alunos do RenovaBR, iniciativa privada de capacitação de candidatos que elegeu 17 pessoas para o Legislativo em 2018, desde Assembleias até o Senado.
As primeiras reações deram o tom da grita. Dirigentes do PDT, entre eles o ex-presidenciável Ciro Gomes, disseram que Tabata era uma infiltrada, servia a dois senhores e integrava partidos clandestinos.
O presidente da sigla trabalhista, Carlos Lupi, repetidas vezes deu declarações no sentido de que o mais democrático seria os ativistas fundarem as próprias legendas e se submeterem às regras do jogo.
As críticas se embasavam na visão de que os dois deputados se posicionaram a favor da reforma previdenciária por influência de patrocinadores das organizações que representam.
O RenovaBR, por exemplo, tem como garoto-propaganda o apresentador Luciano Huck, provável candidato à Presidência em 2022 e frequentemente associado ao mercado financeiro. A escola se declara suprapartidária e sem preferências ideológicas.
Em resposta, o PDT aprovou uma regra para impedir que membros dos movimentos disputem eleições pelo partido. Agora o postulante terá que escolher entre um e outro.
Além do Renova e do Acredito, a restrição atinge integrantes do Agora! (que formula políticas públicas e também tem Huck como um dos porta-vozes) e do Livres (que difunde o ideário liberal e abriga eleitos de variadas filiações). A Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), que agrega políticos com e sem mandato em torno da sustentabilidade, também entrou na mira.
Em manobra parecida, o Partido Novo surpreendeu e frustrou filiados ao incluir, no termo de compromisso dos pré-candidatos de 2020, a determinação de que eles não podem estar vinculados a “movimentos ou instituições que tenham caráter político ou atuação política”. A medida pegou em cheio participantes do Livres que se preparavam para concorrer pela sigla presidida por João Amoêdo.
Outro grupo que guarda proximidade com as pautas do Novo e pode agora ser barrado no baile laranja é o MBL (Movimento Brasil Livre). E a saída apontada pelo Novo é, curiosamente, a mesma do PDT: que a turma da renovação monte seus próprios partidos. Assim, teriam “uma representação efetiva de fato e de direito”, ressaltou em nota.
Em outra frente de pressão, a atuação do Renova é questionada perante o TSE, em consulta formulada pelo deputado federal Fausto Pinato (PP-SP).
Ele indaga a corte sobre a legalidade de atividades que em tese são de competência exclusiva dos partidos e quer que o tribunal se pronuncie sobre a intromissão de “instituições para-legais” no processo eleitoral.
Pergunta também que órgão público responde pela fiscalização da associação, sobretudo no financiamento. O curso, que ainda será intimado para se manifestar, sempre disse que sua atuação se restringe ao período pré-eleitoral e respeita as leis.
Depois da ascensão do Renova, legendas como PSDB, PT, Cidadania e PDT reativaram ou reforçaram seus programas de formação política e de atração de quadros.
O PT, que via com desconfiança a adesão de filiados à iniciativa apoiada por Huck, lançou a plataforma Representa, para incentivar candidaturas de esquerda em 2020 e treinar interessados.
Na avaliação de atores ligados a esse cenário que foram ouvidos pela Folha, a série de rixas dos últimos meses delimitou uma fronteira. Organizações independentes consideram ter provocado um incômodo que obrigou os partidos a se mexerem. E siglas que aproveitaram o capital eleitoral dos novatos agora repensam a aproximação.
O Cidadania tem sido identificado como exceção, já que fez o caminho inverso e mudou seu estatuto para garantir a entrada de membros de movimentos e a presença deles em postos na cúpula da agremiação.
De modo geral, no entanto, os partidos são enxergados pelos ativistas como estruturas arcaicas e sem transparência, que são comandadas por caciques e repelem tentativas de modernização.
A paralisia de um projeto de lei protocolado no Congresso para reverter essa situação é atribuída justamente à falta de interesse da política tradicional. Apresentado em agosto, o texto que propõe reformar o sistema foi construído por uma rede de entidades.
“Precisamos transformar os partidos, pelo bem da nossa democracia”, diz Samuel Emílio, coordenador nacional do Acredito. “Falta refletir sobre como aproximar de verdade os jovens das legendas. Isso ninguém conseguiu fazer com qualidade.”
Folhapress / Foto: Reprodução / Pressfrom.info