O defensor público estadual e porta-voz no caso do naufrágio da Cavalo Marinho, Gil Braga, explica que 36 ações foram ajuizadas pela Defensoria Pública do Estado (DPE) para garantir indenizações às vítimas.
A tragédia de Mar Grande, marcada pelo naufrágio da lancha Cavalo Marinho I, na Baía de Todos-os-Santos, completa quatro anos na próxima terça-feira. Enquanto a empresa responsável pela embarcação segue em operação e acumula problemas ligados à segurança na travessia, a exemplo da pane no motor de uma das lanchas na última quinta-feira, sobreviventes e familiares das 20 vítimas que morreram por causa da tragédia continuam sem respostas da Justiça, convivendo com a impunidade e o medo de entrar nas embarcações.
Sobre o estágio do processo, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) afirma que protocolou no Judiciário, no dia 2 de julho deste ano, a peça de alegações finais, fase onde são apresentados os últimos argumentos das partes envolvidas. “O processo está concluído da parte do MP, cabendo agora à Justiça efetuar a sentença”, acrescenta o órgão em nota.
O defensor público estadual e porta-voz no caso do naufrágio da Cavalo Marinho, Gil Braga, explica que 36 ações foram ajuizadas pela Defensoria Pública do Estado (DPE) para garantir indenizações às vítimas. As ações envolvem danos estéticos, morais e materiais. Ainda segundo Braga, a condenação no Tribunal Marítimo da Marinha do Brasil, por unanimidade, do engenheiro, do dono e da empresa responsável pela lancha, a CL Transporte Marítimo, em agosto do ano passado, é outro “elemento forte” para o trabalho da Justiça.
“O Tribunal Marítimo é uma instância diferente da Justiça. No entanto, a condenação entra como um elemento forte para a avaliação, pois está pautada em avaliações técnicas da Cavalo Marinho I. A Defensoria tem 35 ações individuais indenizatórias encaminhadas e uma ação coletiva, que tramita em Salvador. Ações que não envolvem apenas quem morreu pela tragédia, mas também quem sofreu escoriações, teve danos materiais”, diz Braga.
Em resposta ao A TARDE, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) afirma que as ações individuais e coletivas estão em tramitação. Com relação ao processo em que figuram os denunciados da CL Transporte Marítimo, o órgão reforça que os autos se encontram com as alegações finais da acusação e da defesa, aguardando julgamento.
Batalha diária
Na luta por justiça para as vítimas da tragédia de Mar Grande, a cozinheira Joanita Santana, 42, acompanha as ações judiciais do caso e organiza protestos que buscam cobrar celeridade dos órgãos públicos. Nesta terça-feira, quando o naufrágio vai completar quatro anos, ela estará liderando mais uma caminhada por Mar Grande, com sobreviventes e familiares dos mortos.
A cozinheira é tia do bebê Davi Gabriel, que tinha apenas seis meses e morreu na tragédia. Davi é a vítima mais jovem entre os 19 mortos, 120 pessoas estavam na embarcação. A cena do bebê nos braços de um socorrista do Samu, momentos após o naufrágio da Cavalo Marinho, foi capturada pelo fotógrafo Xando Pereira, de A TARDE, e gerou comoção nacional.
“Estamos atrás de punição, não apenas indenizações. A gente convive com o trauma de perder entes queridos e o medo de entrar nas embarcações. Desde a tragédia que vitimou o Davi, praticamente nada mudou. Naquele dia, se a gente tivesse socorristas no píer, muitas vidas seriam salvas”, desabafa Joanita.
Ela lembra que uma das vítimas, que tinha 27 anos, morreu um ano após o naufrágio da embarcação. Após ser acometida por depressão causada por estresse pós-traumático, ela cometeu suicídio. “São nossos vizinhos, pessoas próximas. Muitos até foram embora e deixaram Mar Grande, com trauma de pegar as embarcações. A Ana Paula, mãe do Davi, fez isso”, acrescenta.
Riscos
O contador Jorge Manoel Teixeira, 62, revela estar cansado da luta por mudanças e respostas para a tragédia. O sobrevivente da Cavalo Marinho I acumula situações perigosas vividas nas embarcações da empresa. No dia 9 do último mês, ele estava na lancha Nossa Senhora da Penha, cujo motor teve pane com princípio de incêndio na travessia, deixando todos à deriva.
“Ainda aconteceu um princípio de incêndio. E as pessoas tiveram que se virar para apagar o fogo e tentar consertar a questão do motor. Todos os dias acordo às 5h para pegar a lancha de 6h rumo ao trabalho. No final do dia, volto na lancha de 17h30. E quando é preciso pegar lancha dessa empresa, a gente vive com medo”, conta o sobrevivente.
Na manhã da última quinta-feira, 175 passageiros ficaram à deriva após a embarcação Nossa Senhora da Penha sofrer outra pane no motor, 15 minutos após sair do Terminal de Vera Cruz, na Ilha de Itaparica, por volta das 8h, com destino para Salvador.
No mesmo dia, a equipe de A TARDE fez a travessia em uma das lanchas da CL Transporte Marítimo. No trajeto, foi possível notar a ausência de coletes salva-vidas para adultos, a elevada velocidade e balanço da embarcação, além do forte barulho do motor. Até a chegada em Salvador, os funcionários ficaram apenas no interior da cabine.
Na última sexta-feira, a embarcação Nossa Senhora da Penha foi apreendida pela Marinha do Brasil. A informação foi confirmada pela Capitania dos Portos, que acrescentou que a lancha irá passar por manutenção, enquanto um inquérito investiga a razão do incidente. A lancha tem capacidade para 200 pessoas e 11 anos de atividade, segundo a Marinha.
De acordo com dados da Agerba (órgão estadual regulador de transportes públicos), duas empresas operam o serviço de transporte marítimo intermunicipal de passageiros, entre Salvador e Vera Cruz (Mar Grande). As empresas CL Empreendimentos, com quatro embarcações, e a Vera Cruz Transportes e Serviços Marítimos, com cinco. Elas venceram licitação pública no, em 2012, e têm a concessão pelo prazo de dez anos.
A TARDE tentou contato com a CL Empreendimentos, mas não obteve resposta. Também procurada por A TARDE, até o fechamento, a Agerba, não deu informações sobre medidas que passaram a ser adotadas após a tragédia de 2017.
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Foto: Reprodução/ TV Record