CCJ do Senado inclui na pauta projeto que permite venda de plasma sanguíneo; entenda

Constituição proíbe comercialização de sangue e seus derivados. PEC quer abrir exceção para plasma sanguíneo, e texto opõe governo e setor privado.

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado pautou para votação nesta quarta-feira (3) uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite a comercialização de plasma sanguíneo.

O texto, de autoria do senador Nelsinho Trad (PSD-MS), abre espaço para que doadores recebam uma compensação financeira, além de autorizar a atuação de empresas privadas na produção e comercialização de hemoderivados.

Atualmente, esta atividade é uma exclusividade da Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás).

A partir do plasma sanguíneo, a indústria farmacêutica consegue separar fatores e insumos específicos para o tratamento de diversas doenças.

Esse material pode ser passado diretamente ao paciente, como uma transfusão, ou transformado em medicamento pelos laboratórios.

Veja abaixo as principais perguntas e respostas para entender a PEC:

O que é a Hemobrás?

A Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobras) foi fundada em 2004, no primeiro governo Lula.

A estrutura ainda não ficou pronta e, atualmente, só produz alguns hemoderivados, como os chamados “fator VIII” e “fator IX”, voltados a pessoas com hemofilia.

Para obter outros produtos, a Hemobras é obrigada a exportar o plasma sanguíneo brasileiro “bruto” para laboratórios no exterior – e, em seguida, importar o material beneficiado, mais caro.

Segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, o governo trabalha para que a Hemobras possa ampliar a oferta de hemoderivados até 2025.

O governo federal deve investir R$ 900 milhões no parque fabril da Hemobras em Goiana (PE). Os recursos fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC).

O que estabelece a Constituição?

Atualmente, a Constituição veda todo tipo de comercialização em relação ao sangue e seus derivados.

“A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização”.

O que propõe a PEC?

A PEC abre uma exceção para a comercialização do plasma.

O texto também possibilita que lei aprovada posteriormente regulamente as condições e os requisitos para a coleta, o processamento e a comercialização de plasma humano pela iniciativa pública e pela iniciativa privada, para fins de uso laboratorial, desenvolvimento de novas tecnologias e de produção de medicamentos hemoderivados destinados a prover preferencialmente o SUS.

“De fato, a produção de hemoderivados é questão estratégica para o Brasil e sua relevância transcende a esfera sanitária, envolvendo também aspectos de segurança nacional e de balança comercial, em virtude da nossa dependência externa em relação ao suprimento desses produtos”, justificou a relatora, senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB).

O que diz o Ministério da Saúde?

A pasta é contrária à PEC. A ministra Nísia Trindade afirmou que está “trabalhando para que o sangue não seja uma mercadoria”.

Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, prevê um risco de “apagão” de oferta de sangue no Brasil.

“As pessoas que doam voluntariamente, altruisticamente, movidas pela solidariedade vão se ver desestimuladas a doar sangue”, afirmou.

Além disso, o secretário afirmou que há chance de se ter “um sangue de má qualidade com os produtos hemoderivados que não passaram por um processo adequado de entrevista, de conversa com doadores, como tem no caso de doação voluntária”.

“Acho que pode ser desastroso, uma tragédia”, destacou.

Segundo Gadelha, empresas com “interesses espúrios” têm divulgado notícias falsas sobre a eficiência da Hemobrás ao afirmarem que há desperdício de plasma sanguíneo no Brasil.

Está se criando uma fake news semelhante à cloroquina. Estão querendo recriar o espírito da cloroquina agora em 2023”, destacou. “Não é desperdiçada uma bolsa de sangue a não ser a reserva técnica inerente ao processo produtivo. É 100% de aproveitamento. É mentira que a Hemobrás joga plasma fora”.

Quais são os argumentos da iniciativa privada?

A Associação Brasileira de Bancos de Sangue, que representa os Serviços Privados de Hemoterapia no país, defende a autorização para a participação do setor privado na produção de hemoderivados no Brasil.

Em nota, a associação argumenta que o Brasil depende da importação de R$1.5 bilhão em hemoderivados e produtos para tratamento da hemofilia e de outros problemas de coagulação, além das deficiências de imunoglobulina e também da própria albumina.

“A importação só ocorre porque nos últimos cinco anos 65% do plasma doado foi desperdiçado sem que o país produzisse um único hemoderivado. Ou seja, o Brasil não tem tecnologia para processar o próprio plasma e se tornar autossuficiente na produção de medicamentos e insumos a partir dele”.

Segundo a associação, também não há coleta suficiente de sangue, sendo necessário importar derivados do plasma de fora por preços elevados, o que leva à falta dos medicamentos essenciais para tratar doenças graves.

“Essa PEC objetiva corrigir um dos maiores problemas de saúde pública deste País, que é a falta de produção de hemoderivados no tratamento adequado dos pacientes brasileiros. Trata-se de uma estratégia pensada em conjunto com os laboratórios para o fortalecimento da indústria nacional, tornando-se fundamental para garantir o fornecimento desses insumos para todos os pacientes, inclusive do SUS, e assim salvar ou dar qualidade de vida para milhares de pessoas”, disse Paulo Tadeu de Almeida, presidente da ABBS.

O que a relatora defende?

A senadora Daniella Ribeiro (PSD-PB) deu parecer favorável à proposta. Segundo ela, o texto vai no sentido de garantir que o Brasil seja autossuficiente na produção de hemoderivados.

“A Hemobrás não possui, nem possuirá, capacidade para atender a demanda interna de medicamentos derivados do plasma. Ao contrário, nas palavras do seu presidente, Antônio Lucena, a tendência é que a empresa exporte cada vez mais plasma para importar os medicamentos, impondo altos custos a eles e ao pacientes”, afirmou.

“Assim, o que fazemos é usar R$ 1,5 bilhão de reais ao ano para remunerar países estrangeiros, empresas estrangeiras, a população de outros países, para que possamos atender as necessidades dos nossos pacientes. Isso é um absurdo!!”.

G1

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