EUA ainda não viram nenhuma evidência de que Vladimir Putin está se movendo para usar a capacidade nuclear da Rússia.
O alarmante aviso do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na noite de quinta-feira (7) de que o mundo enfrenta a maior perspectiva de guerra nuclear em 60 anos não se baseou em nenhuma nova informação da inteligência norte-americana sobre as intenções do presidente russo Vladimir Putin ou mudanças na postura nuclear da Rússia, disseram vários funcionários da Casa Branca à CNN.
Os EUA ainda não viram nenhuma evidência de que Putin está se movendo para usar a capacidade nuclear da Rússia, nem há nenhuma inteligência mostrando que ele decidiu fazê-lo.
Mas os comentários de Biden — apresentados em termos mais rígidos do que outros funcionários dos estadunidenses usaram até agora — refletem preocupações crescentes dentro de seu governo sobre o risco de a Rússia realizar um ataque nuclear na Ucrânia, onde as forças russas enfrentaram recentemente uma série de derrotas.
A avaliação contundente de Biden pegou vários altos membros do governo de surpresa, em grande parte devido à falta de qualquer novo dado para conduzi-los e à linguagem sombria que Biden usou.
Um alto funcionário do governo disse que Biden estava falando “francamente” em seus comentários em um evento de arrecadação de fundos democrata em Nova York, refletindo uma preocupação crescente com base nas recentes ameaças nucleares de Putin.
A ameaça tem estado no topo das mentes dos encarregados da segurança nacional do governo, e as falhas no campo de batalha serviram apenas para elevar as discussões regulares e o planejamento de contingência sobre o assunto. Não houve, no entanto, momento, briefing ou nova informação de que Biden estivesse a par que sinalizasse qualquer mudança real no comportamento russa.
E, na manhã seguinte aos comentários de Biden, servidores do governo disseram que a conduta nuclear dos EUA não mudou. “Nossa postura não mudou”, afirmou um funcionário sobre os preparativos dos EUA. “Se houvesse alguma nova informação alarmante, obviamente haveria [mudança].”
A mensagem
Simplesmente não há muito — ou nenhum — precedente nas últimas seis décadas de um presidente alertando tão abertamente sobre uma catástrofe iminente. A divergência de tom entre Biden e suas principais autoridades de segurança nacional é impressionante, com o chefe do Executivo se afastando drasticamente do esforço coordenado de avisar calmamente sobre o barulho de sabres, mas sem escalar a retórica.
No entanto, as observações de Biden, como pontuou um funcionário, refletem a realidade — uma realidade que pode ser difícil de entender devido à combinação de uma guerra distante e uma era pós-Guerra Fria, quando ameaças nucleares simplesmente desapareceram dos riscos diários.
Esses riscos aumentaram acentuadamente nos últimos oito meses, mesmo que não haja evidências tangíveis de que Putin tenha feito movimentos concretos nessa direção.
A agitação nuclear de Putin levou o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, a alertar sobre “consequências catastróficas” no final do mês passado caso Moscou agisse — e Putin só aumentou sua retórica desde então.
As observações de Biden servem como uma janela para uma discussão muito real e muito contínua dentro de seu governo, na tentativa de calibrar uma resposta a esse ambiente.
Os Estados Unidos já começaram a se planejar para responder a uma série de cenários prováveis, incluindo a possibilidade da Rússia usar armas nucleares táticas na guerra contra a Ucrânia, segundo três interlocutores revelaram à CNN.
Desde o início do conflito, os EUA vêm desenvolvendo planos de contingência para responder a uma escalada russa, o que uma fonte descreveu para a CNN como uma espécie de “exibição nuclear” da Rússia. Isso porque os estadunidenses trabalham com a chance de Vladimir Putin atacar militarmente a usina nuclear de Zaporizhzhia ou até detonar um dispositivo nuclear em grandes altitudes ou longe de áreas povoadas.
A ameaça de Putin usar armas nucleares certamente é “elevada” em comparação com o início do ano, disseram várias fontes à CNN no final do mês passado.
Vários funcionários familiarizados com assunto, no entanto, disseram que a probabilidade de Putin usar uma arma nuclear tática na Ucrânia ainda não é factível. A comunidade de inteligência está atenta a qualquer sinal de que o cálculo do líder russo mudou.
A configuração
Os comentários de Biden também ocorreram em momento em que o presidente estava desprotegido, fora das câmeras, durante uma arrecadação de fundos, onde ele repetidamente empregou mais franqueza do que poderia em comentários roteirizados.
Autoridades dizem que suas falas improvisadas em angariações tendem a ser uma janela breve e sem verniz para preocupações reais ou debates com os quais Biden está lidando no momento.
Normalmente realizados com apenas algumas dezenas de doadores, esses eventos são ocasiões mais íntimas, onde Biden geralmente fala a partir de notas manuscritas, seguindo vagamente um roteiro que ele escreveu para si mesmo.
Como em suas aparições públicas, Biden fala de um microfone de mão durante suas campanhas de arrecadação de fundos e geralmente perambula pela sala enquanto discursa. Os repórteres podem ouvir e relatar os comentários do presidente, mas não filmá-los, uma convenção que começou durante a presidência de Obama.
Seus comentários geralmente são de apenas 10 minutos, mas no passado ele se estendia por meia hora ou mais, expondo vários tópicos. Após os comentários, os repórteres são levados para fora enquanto Biden responde a algumas perguntas dos doadores.
Embora a maior parte do que Biden diz nas angariações de fundos seja familiar, ele fez comentários anteriormente que foram além de suas observações para um público maior.
Foi uma arrecadação de fundos em Maryland, onde o líder declarou os republicanos alinhados a Trump eram “semi-fascistas” e onde ele disse que as opiniões da Igreja Católica sobre o aborto haviam mudado.
As falas de Biden sobre a perspectiva de um Armageddon nuclear não foram roteirizados e assessores em Washington souberam de seus comentários pela primeira vez por meio de reportagens e despachos da imprensa na sala.
A comparação
A referência de Biden à crise dos mísseis cubanos foi notável, tanto porque foi a última vez que um presidente dos EUA falou tão abertamente sobre os riscos de uma catástrofe potencialmente iminente, mas também porque o 60º aniversário da data está a poucos dias.
Implícito nos comentários de Biden, no entanto, estavam os riscos representados por uma diferença crítica. O presidente John F. Kennedy e sua equipe avaliaram uma série de possíveis propostas de saída e de canal secundário que poderiam evitar a crise.
O líder soviético na época — Nikita Khrushchev, que havia presenciado os horrores da Segunda Guerra Mundial – sempre deixou claro que entendia os riscos de um impasse nuclear, mesmo que seu cálculo estratégico em Cuba estivesse lamentavelmente errado.
A destruição mutuamente assegurada era a linha de base, e mesmo em seus piores momentos e ameaças mais belicosas, as negociações entre Kennedy e Khrushchev refletiam essa realidade.
Em contraste, os comentários de Biden sobre a incapacidade de identificar uma rampa de saída levantam uma preocupação muito real de que o entendimento mútuo de longa data pode não ser tão garantido quanto se supõe.
O discurso às vezes incoerente e belicoso de Putin na sexta-feira passada (30) só serviu para exacerbar essa preocupação dentro da Casa Branca, confessou uma autoridade.
O uso da palavra “Armagedom” por Biden atraiu todas as manchetes, mas o contexto dessa observação é extremamente importante.
Autoridades da Casa Branca enfatizaram que a ideia de que a Rússia poderia implantar ataques “táticos”, de acordo com sua doutrina, não representa algum tipo de meia medida ou degrau abaixo da escalada máxima.
O uso do Armageddon pelo presidente serviu para ilustrar esse ponto — não há escalada quando se trata de armas nucleares, táticas ou não. Qualquer movimento nessa direção desencadeia uma resposta em cascata que só tem um resultado.
A mentalidade
Vários funcionários apontaram que o barulho do sabre nuclear de Putin não é novo, e os funcionários dos EUA têm lidado com as ameaças e o potencial de seu uso desde os primeiros dias da guerra.
Mas membros do governo observaram de perto — e estudaram em busca de pistas — o discurso de Putin na semana passada, assim como seu discurso pouco antes da invasão, levantou alarmes.
Tem sido um elemento de várias discussões internas nos últimos dias, destacando que, embora o mundo possa ignorar as últimas declarações de Putin aparentemente distantes da realidade óbvia, o Biden “não tem esse luxo”, apontou um funcionário.
Um trabalhador da Casa Branca caracterizou o discurso como “insano” e, embora reforçasse a visão dos EUA sobre a fraqueza e o isolamento russos, também aumentou ainda mais a preocupação com a disposição de Putin de escalar além do nível de um ator racional.
Esse é um contexto importante quando se pensa nas observações de Biden, observou um funcionário.
O que vem a seguir
Autoridades da Casa Branca decidiram não dizer nada publicamente na noite de quinta-feira (6), e não há planos de abordar as observações isoladamente até o momento. Se Biden quiser resolver isso sozinho, ficará claro quando ele partir para seu evento em Maryland no final da manhã.
Mais amplamente, o elemento mais importante continua sendo que as autoridades dos EUA não viram nenhuma mudança na postura ou inteligência específica que eleve o nível de ameaça acima de onde estava.
Houve comunicações diretas com Moscou nas últimas semanas detalhando a escala da resposta dos EUA caso Putin decida seguir esse caminho. Esses detalhes permanecem observados de perto, e as autoridades dizem que isso não mudará tão cedo.
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CNN Brasil