Grupo de professores de direito da USP pede ”impeachment” do presidente Jair Bolsonaro
Em janeiro, um grupo de mais de 890 ex-alunos da instituição também divulgou carta pedindo o impeachment de Bolsonaro.
Um grupo de 58 professores da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da USP, divulgou nesta segunda (1º) um manifesto pedindo o impeachment do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
O texto critica a atuação de Bolsonaro no combate à epidemia da Covid-19. Nomes como Conrado Hübner Mendes, Guilherme Guimarães Feliciano e Floriano de Azevedo Marques Neto, diretor da faculdade, aparecem entre os signatários do documento.
“Diante de todos esses vícios de conduta, que agravaram sensivelmente os problemas humanitários advindos da pandemia, e ante a certeza de que tais erros continuarão sendo cometidos, doravante com o sacrifício de outras milhares de vidas, os subscritores entendem necessário e urgente que se instaure o procedimento legal para o impedimento de S.Ex.ª o presidente da República”, diz o texto.
“As milhões de vidas no país não podem mais ser submetidas a essas constantes ameaças. E os subscritores entendem que, a partir deste ponto, o silêncio institucional se convolará em inadmissível conivência”, segue o documento.
Em janeiro, um grupo de mais de 890 ex-alunos da instituição também divulgou carta pedindo o impeachment de Bolsonaro.
Leia a íntegra do manifesto abaixo:
“NOTA PÚBLICA – SOBRE OS LIMITES DA RESPONSABILIDADE DO MANDATÁRIO MAIOR DA REPÚBLICA E OS RISCOS DO SILÊNCIO
Os professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, abaixo subscritos, diante dos últimos fatos envolvendo a pandemia de Covid-19 e as ações (e inações) do Governo Federal, a par das tantas condutas pessoais da S.Ex.ª o Presidente da República que precederam esses eventos, vêm a público externar o que segue:
1. Desde o início do reconhecimento de pandemia pela Organização Mundial da Saúde, o presidente da República, que é o principal responsável pelo desenvolvimento de uma política pública de saúde, negou a ocorrência da gravidade da situação, estimulando e praticando atitudes individuais contrárias ao interesse coletivo. Assim, p. ex., o presidente equiparou a Covid-19 a uma “gripezinha”, anunciando, em fala perante a imprensa internacional, que haveria excessivo alarmismo em torno do tema.
Posteriormente, desprezando as medidas de prevenção, “prescreveu” medicamentos supostamente preventivos, ao largo de qualquer constatação científica adequada, como a hidroxicloroquina (que o governo, com dinheiro público, chegou a adquirir e a produzir em grandes quantidades), a cloroquina e a ivermectina.
2. Da mesma forma, por longo tempo S.Ex.ª externou pública oposição à premência da implementação do plano nacional de vacinação e, bem assim, ao uso de determinadas vacinas, basicamente por questões políticas (em função das disputas que lamentavelmente se antecipam a 2022) e de preconceito (em função da origem nacional da vacina). Tal atitude nos levou ao ponto de o Brasil não possuir perspectiva concreta, na urgência requerida, de implementar um plano de vacinação que beneficie toda a população. De resto, a tais ações e omissões se somaram inúmeras medidas que, segundo o Centro de Pesquisas e Estudos de Direito Sanitário (CEPEDISA) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da Universidade de São Paulo (USP) e a Conectas Direitos Humanos, podem ser identificadas como uma “estratégia institucional de propagação do vírus” (https://brasil.elpais.com/brasil/2021-01-21/pesquisa-revela-que-bolsonaro-executou-uma-estrategia-institucional-de-propagacao-do-virus.html). A soma de todos esses atos só pode ser traduzida em uma palavra: irresponsabilidade (pessoal e institucional).
3. De outra parte, S.Ex.ª não se mostra disposto a reconhecer quaisquer erros. Ao revés, assume-os, reafirma-os e justifica-os. Diante disso, a irresponsabilidade ganha outro nome: dolo (intenção deliberada de se omitir, de agir em sentido contrário ao cientificamente recomendado e de aguardar impassivelmente que, após a morte de mais de duas centenas de milhares de brasileiros, a pandemia recue em razão de uma vaticinada “imunidade de rebanho”).
4. Diante de todos esses vícios de conduta, que agravaram sensivelmente os problemas humanitários advindos da pandemia, e ante a certeza de que tais erros continuarão sendo cometidos, doravante com o sacrifício de outras milhares de vidas, os subscritores entendem necessário e urgente que se instaure o procedimento legal para o impedimento de S.Ex.ª o presidente da República, entre outras razões, porque incurso no preceito do art. 85, VI, in fine, da Constituição (por afirmar abertamente, em programa de televisão, que está deliberadamente “descumprindo” decisão do STF com relação às competências para o combate à Covid-19); nos preceitos do art. 85, III, c.c. art. 196 da Constituição e do art. 7º, n. 9, da Lei 1.079/1950 (por atentar, com seus atos e palavras, contra o direito social e difuso à saúde pública, também em relação à Covid-19); nos preceitos do art. 85, V, c.c. art. 37, caput, da Constituição (por violar o princípio da impessoalidade, desfavorecendo abertamente órgãos de imprensa que não lhe são gentis); nos preceitos do artigo 85, IV, da Constituição e do art. 7º, ns. 6, 7 e 8, da Lei 1.079/1950 (pela participação pessoal em manifestações antidemocráticas que pediam, entre outras coisas, a “intervenção militar” e o “fechamento” do Congresso e do STF); e nos preceitos do artigo 85, II, da Constituição e do artigo 6º, n. 5, da Lei 1.079/1950 (pela ameaça de retaliação, em fala e nota pública, a eventual decisão do STF que lhe apreendesse o telefone celular), entre outros.
5. Entendido que as infrações do art. 85 da Constituição e os diversos tipos da Lei 1.079/1950 são de natureza político-administrativa (exigindo, para além da configuração formal das condutas típicas legalmente descritas, a vontade política majoritária do Parlamento), a presente nota serve para reafirmar que, na visão de subscritores, os pressupostos formais constitucionais e legais para o impeachment, do ponto de vista técnico-jurídico (i.e., quanto à configuração das próprias figuras típicas constitucionais e legais), estão já atendidos. Resta, pois, abrir o procedimento pertinente, com o beneplácito da Câmara dos Deputados, para o julgamento – político, mas também necessariamente técnico – do Senado da República.
6. As milhões de vidas no país não podem mais ser submetidas a essas constantes ameaças. E os subscritores entendem que, a partir deste ponto, o silêncio institucional se convolará em inadmissível conivência.
São Paulo, 1º de fevereiro de 2020.
Alberto do Amaral Júnior
Alysson Leandro Mascaro
Ana Elisa Liberatore Silva Bechara
Ana Maria Nusdeo
Antônio Rodrigues de Freitas Jr.
Calixto Salomão Filho
Carlos Pagano Botana Portugal Gouvêa
Celso Fernandes Campilongo
Celso Lafer
Claudia Perrone Moisés
Conrado Hübner Mendes
Cristiano Zanetti
Dalmo de Abreu Dallari
Diogo Rosenthal Coutinho
Eduardo César Silveira Vita Marchi
Elival da Silva Ramos
Elza Antônia Pereira Cunha Boiteux
Enéas de Oliveira Matos
Eunice Aparecida de Jesus Prudente
Erasmo Valladão Azevedo e Novaes França
Fábio Konder Comparato
Fernando Dias Menezes de Almeida
Fernando Facury Scaff
Floriano de Azevedo Marques Neto
Francisco Paulo de Crescenzo Marino
Gilberto Bercovici
Guilherme Assis de Almeida
Guilherme Guimarães Feliciano
Gustavo Henrique Righi Ivahy Badaró
Gustavo Ferraz de Campos Mônaco
Helena Regina Lobo da Costa
Heitor Vitor Mendonça Sica
Jean-Paul Veiga da Rocha
Jorge Luiz Souto Maior
José Augusto Fontoura Costa
José Eduardo Campos de Oliveira Faria
José Marcelo Martins Proença
José Reinaldo Lima Lopes
Luís Eduardo Schoueri
Marcos Perez
Marcus Orione
Maria Paula Dallari Bucci
Mariângela Gama de Magalhães Gomes
Nina Ranieri
Orlando Villas Boas Filho
Otávio Pinto e Silva
Paulo Borba Casella
Paulo Eduardo Vieira de Oliveira
Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari
Pierpaolo Cruz Bottini
Rafael Mafei Rabelo Queiroz
Rodrigo Pagani de Souza
Ronaldo Porto Macedo
Samuel Rodrigues Barbosa
Sebastião Botto de Barros Tojal
Sérgio Salomão Shecaira
Sheila Christina Neder Cerezetti
Vitor Rhein Schiratto”
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Mônica Bergamo, Folhapress