Bancos culpam vítimas por golpes, dizem órgãos de defesa do consumidor
Ainda assim, as instituições se isentam da responsabilidade.
Para órgãos de defesa do consumidor, os bancos não fazem o suficiente contra golpes. Apesar de investir em campanhas informativas, as instituições falham ao se isentar da responsabilidade e atribuir culpa ao cliente, dificultando também o auxílio às vítimas.
“Eles dizem a todo momento que a culpa é da vítima”, diz Guilherme Farid, diretor-executivo do Procon SP. Farid aponta que a educação é importante, mas que não é o suficiente para evitar o prejuízo provocado pelas instituições ao permitir transações que fogem do perfil do consumidor.
“A partir do momento que você resolve depositar seu patrimônio numa instituição financeira, você quer a segurança de que ele não sairá de lá sem a sua autorização. E nesse cenário, cabe ao prestador de serviço adotar todas as cautelas e tecnologias possíveis para não autorizar”, explica.
Ainda assim, as instituições se isentam da responsabilidade. A economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim, critica a falta de atenção aos clientes que são vítimas de golpes financeiros.
“O que encontram quando recorrem ao SAC por telefone é uma sequência de gravações, com um roteiro cheio de perguntas que dificultam falar diretamente com alguém que os orientem e providencie os bloqueios necessários ou encaminhamento correto para contestação de operações involuntárias”, explica Amorim.
Ela acrescenta que as agências não possuem atendimento priorizado ou respostas padronizadas às ocorrências, deixando a qualidade do atendimento dependente da interpretação de quem acolhe a demanda.
Nas redes sociais, chats com robôs não ajudam a resolver a questão, além de retardar procedimentos de bloqueios, reparação ou orientações sobre como melhorar as configurações de segurança.
Procon e Idec veem falhas de segurança de instituições Representantes do Procon SP e do Idec indicam que há uma falha no sistema de segurança dos bancos, especialmente ao não identificar operações anormais em contas bancárias, que poderiam ser questionadas antes da confirmação.
A falha, para Farid, seria no gerenciamento do perfil de consumo do cliente. Ele aponta que os bancos têm informações sobre os hábitos e rotinas financeiras dos usuários, assim como tecnologia suficiente para identificar transações suspeitas, mas não agem para impedir os golpes.
“Como você justifica, por exemplo, um consumidor que teve seu celular furtado e eventualmente o bandido conseguiu fazer um empréstimo de R$ 50 mil às 3h? Ou 50 transações Pix em menos de 30 minutos e esvaziar a conta do consumidor?”, questiona.
Amorim complementa que os bancos precisam desenvolver sistemas de segurança não somente para sua proteção interna, mas também do cliente, e exemplifica com o que observou no lançamento do Pix.
“O sistema foi anunciado com grande ênfase na praticidade e segurança nas operações instantâneas, mas isso entre os bancos. Pouco foi feito para dar segurança aos usuários do sistema, e hoje vivemos uma situação grave de fraudes e violência por falta de segurança para quem o opera.”
A economista também critica a disponibilização automática de limite de cheque especial e crédito pré-aprovado em patamares muito acima do perfil de renda dos consumidores. “Além de estimular o endividamento, favorecem a prática de fraudes em roubos de celulares.”
Febraban afirma que bancos têm investido em prevenir fraudes Procurada pela Folha de S.Paulo, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) diz que, junto dos bancos, investe constantemente e de maneira massiva em campanhas e ações de conscientização.
“Os bancos têm implementado diversas tecnologias, como georreferenciamento, biometria, tokenização, reconhecimento de IP, além de comunicação aos clientes para preservar suas senhas e comunicar ao banco imediatamente após algum evento, roubo de celular por exemplo.”
Complementa que clientes têm à sua disposição mecanismos como aviso por SMS, supressão de funcionalidades e limite de transações, e que os bancos entram em contato quando identificam anormalidades nas transações.
“Nas redes sociais da Federação, a comunicação antifraudes e golpes prossegue de forma ininterrupta por meio do site https://antifraudes.febraban.org.br/ e com a campanha ‘Pare & Pense, Pode ser Golpe’, amplamente divulgada em 2021, que se reinicia em setembro de 2022.”
A Febraban declara ainda que, além de realizar campanhas educativas, os bancos investem cerca de R$ 3 bilhões por ano em sistemas de tecnologia da informação voltados para segurança. Segundo a federação, o valor corresponde a cerca de 10% dos gastos totais do setor com tecnologia da informação.
A entidade também afirma que os bancos atuam em parceria com forças policiais para auxiliar na identificação e punição de criminosos virtuais, com acordo de cooperação técnica com a Polícia Federal desde 2015 para o combate às fraudes eletrônicas bancárias.
“Neste período, através dos trabalhos de inteligência e investigação da Polícia Federal, já foram deflagradas mais de 60 operações como Boleto Real, BR 153, Creeper, Valentina, entre outras.”
Acrescenta que apoiou o processo de tramitação da lei 14.155, sancionada em maio do ano passado, que prevê punições severas para fraudes e golpes cometidos em meios eletrônicos e declara que, sobre ressarcimento, “cada instituição financeira tem sua própria política de análise e devolução, baseada em análises individuais, considerando as evidências apresentadas pelos clientes e informações das transações realizadas”.
Companhias de cibersegurança dizem que bancos são referências de boas práticas Daniel Barbosa, especialista em segurança da informação da Eset, diz que os bancos são considerados referências de boas práticas quando se trata de proteger seus ativos, sempre implementando novas tecnologias e camadas adicionais de proteção.
“O aplicativo, por ser de propriedade do banco, conta com a mesma segurança robusta que citei anteriormente, porém, quando o golpe é dedicado a comprometer o usuário em si o cenário ganha variáveis que adicionam complexidades distintas à equação”, opina Barbosa.
O especialista elogia as campanhas informativas e indica que, quanto ao auxílio às vítimas, considera imprescindível que elas saibam a que meios recorrer em caso de incidentes. “Este tipo de informação pode ser divulgado nas próprias campanhas de conscientização”, complementa.
Para Barbosa, medidas automáticas de bloqueio como as sugeridas por Farid são possíveis de serem implementadas, mas podem impactar negativamente a percepção do usuário sobre o sistema, visto que ela poderia bloquear ações legítimas e gerar atrasos na utilização da plataforma.
“Ainda assim é possível pensar em formas variadas de validação de usuários, como uso ostensivo de biometria, restrição de horários para realização de determinadas atividades, fatores de autenticação adicionais com possibilidade de uso de geolocalização e diversos outros pontos”, diz.
Já Eduardo Bernuy Lopes, diretor executivo da Redbelt Security, diz que vê as iniciativas por parte dos bancos com grande otimismo, especialmente as dedicadas a informação e conscientização.
“Fazendo uma analogia, não passamos informações sobre a segurança de nossas casas caso alguém nos pergunte, mas muitas pessoas ainda inserem dados pessoais e confidenciais se quem está perguntando é um site ou uma ligação que parece um robô, solicitando que digite sua senha pelo teclado numérico.”
Lopes opina que a prioridade deve ser a informação. “Os bancos estão no caminho certo. Quanto mais pessoas souberem, menor será a chance de serem enganadas.